sexta-feira, 1 de novembro de 2013

No Mar da Vida - novos capítulos




Capítulo Quatro


            Nas semanas seguintes Joana teve várias oportunidades de cultuar a Deus. O grupo de jovens da igreja que Arthur frequentava, a visitava sempre que podia e eles já pensavam em procurar um local onde pudessem fazer cultos em Nostalgia, pois criam que a obra iria crescer naquele lugar.
            Dona Olívia participava de todas as reuniões e procurava dar um jeito de levar Rosa e Margarida que andavam resistindo ferozmente ao convite.
            Joana dizia à avó que era preciso ter paciência e que ela mesma teria de entregar sua vida a Cristo para que suas amigas vissem nela a mudança que viver com Jesus poderia fazer e dona Olívia respondia que este dia estava chegando, o da sua conversão. Todas as noites, antes de se deitarem, Joana lia um trecho bíblico e fazia uma oração com a avó. Oravam também dando graças a cada refeição e sempre que tinham oportunidade compartilhavam a Bíblia com suas visitas, incluindo os filhos de dona Olívia, e glorificavam a Deus porque já viam resultados em seus comportamentos e de suas famílias. O nome da mãe de Joana era o mais pronunciado em momentos de clamor a Deus e lágrimas eram derramadas enquanto pediam ao Senhor que guardasse sua vida por onde estivesse e que a fizesse voltar ao lar que havia anos abandonara.
Arthur, sempre que podia, visitava a namorada e cultuava com elas. Foi dele que Joana recebeu sua primeira Bíblia e um exemplar do hinário que usavam no louvor em sua igreja e dona Olívia avisou que, quando recebesse uma Bíblia, ela teria de ter letras grandes, pois já suas vistas não funcionavam nem a metade das de Joana.
Aos poucos, Joana conseguiu que Andréia participasse dos cultos, embora a amiga deixasse sempre bem claro que não poderia se tornar uma crente porque seu namorado não iria concordar.
"Acho garotas crentes muito caretas, chegando a ser chatas. Não podem isso, não podem aquilo... Se você for para o lado deles eu irei para o meu e adeus ao nosso namoro" – avisara Jorge já na primeira vez em que Andréia lhe dissera que iria ao culto na casa de Joana.
- Imagina, eu o amo demais para perdê-lo. Tenho certeza de que se eu virar crente ele me deixa na mesma hora – dissera Andréia após um dos cultos para Joana.
- Você precisa amar a Deus sobre todas as coisas – respondera Joana. – Mas nisso eu vou ajudando você conforme eu for aprendendo também. Certo? E quem sabe um dia Jorge também venha a conhecer Jesus e então descobrirá que ser “crente” não é nada do que ele fala. Estou orando para que isso aconteça logo.
Nos quase três meses que se passaram desde sua conversão, Joana  voltou apenas quatro vezes na igreja de Arthur, em dias de semana, para participar dos cultos de ensino doutrinário. Fora muito bem recebida pelo pastor Arnaldo e sua esposa, irmã Flávia, bem como por boa parte dos irmãos. Não encontrara Ângela em nenhuma das vezes e não sabia se isso era bom ou ruim. Sempre se lembrava do modo como a bela ruiva falara com ela e não podia negar que sentia uma pontinha de ciúmes, afinal, Ângela estava bem mais perto de Arthur do que ela, e era linda. Não fazia disso um problema porque Arthur nunca deixara de ser carinhoso e atencioso, ao contrário, viam-se sempre, iam a shoppings e restaurantes e todos os dias conversavam muito ao telefone, no entanto, tinha plena certeza de que Ângela era apaixonada por seu namorado, ainda assim, resolveu descansar sobre este assunto. Os cultos e também as reuniões de discipulado tomavam bastante tempo da sua vida, também passou a ir mais a Alvorada com Andréia para comprar novas roupas, pois queria se vestir bem para Deus e também livros e CD’s,  agora todos com temas concernentes ao Reino de Deus. 


O outono chegou e com ele todos os ânimos de Joana pareceram se revigorar. Era, de fato, a sua estação do ano preferida. Mesmo com as folhas caindo das árvores, os casacos começando a ser retirados dos armários e um vento que teimava em ressecar a pele e os cabelos, ela sempre preferira o outono. Era a época em que o sol brilhava sem que seu calor incomodasse, época em que flores e frutos de sua preferência, que começaram a brotar meses antes, podiam ser comercializados e também se aproximava o tempo de comer chocolate aos montes, porque o outono, entre outras coisas boas, trazia também a Páscoa. Claro que agora que conhecera, na aula do discipulado, a verdadeira história que originara tal festa, agradecia a Deus ao entender que Cristo era a sua verdadeira Páscoa, mesmo assim, não via mal algum em comer alguns dos chocolates de que tanto gostava. Mas entre as muitas coisas que a faziam feliz nessa estação, tinha agora uma mais especial que a fizera esperar como nunca por esses dias já antes tão significativos. Abril era o mês do aniversário de Arthur. Seria o primeiro que passariam juntos e ela desejava que fosse inesquecível.
Num fim de tarde de terça-feira, acomodada a um sofá grande e macio na ampla sala de estar, vestindo um casaco de moletom, calça jeans e meias, Joana folheava um pequeno álbum de fotos que ela e o namorado montaram dias antes. O álbum continha apenas uma dúzia de fotos deles nas quais estavam registrados momentos que passaram juntos assistindo a construção da nova loja da Alvorada Tecidos. Nelas, Arthur vestia camiseta quase sempre branca, calça jeans, um tênis confortável e um boné já meio surrado do qual ele dizia gostar muito e ela revezava entre os vestidos de tecido leve e florido, feitos sob medida, que adorava usar no verão. Havia a foto preferida de Joana, da primeira vez que fotografaram juntos, na qual estavam à sombra de uma frondosa árvore, sentados sobre a grama estampada de flores amarelas que se desprenderam dos galhos e na mão de Joana era possível ver a maçã do amor que ganhara de Arthur no dia em que se conheceram. Estavam tão bem naquela foto que ela pedira ao namorado que a colocasse na última página do álbum para que o fechasse sempre com a sensação que tivera no momento em que foram fotografados.
Joana se deitou sobre uma das almofadas que estavam no sofá e contornou com a ponta do dedo o rosto sorridente de Arthur na foto.
“Como é bom estar apaixonada no outono” - pensava levando o álbum junto ao peito, depois, repetia corrigindo-se: “ Como é bom amar no outono”.
Permaneceu sentada por alguns minutos decidindo o que compraria para Arthur nos seus vinte e cinco anos. Era difícil decidir, porque até onde sabia, ele não precisava de nada e também porque ele já havia dito que ela e nem ninguém devia se preocupar com presentes; mas lhe daria ao menos uma lembrança, ainda que simbólica.
O trim-trim do telefone a fez despertar de seus pensamentos, e ao atender, quase não reconheceu a voz de Andréia, que repetia que estava muito feliz.
- Calma, Andréia, ou não vou conseguir entender nada do que diz.
- Estou indo até aí. Pode ser?
- Claro que sim, mas, por favor, venha com cuidado para não sofrer um acidente, você parece fora de si.
Sem responder, Andréia desligou o telefone enquanto Joana tentava adivinhar o que acontecera. Poucos minutos depois, a campainha do casarão tocava repetidamente e Joana soube que Andréia havia chegado. Antes que pudesse abrir a porta, a amiga já estava subindo as escadas da área.
- Adivinha, adivinha – Andréia falava ainda eufórica.
- Entra criatura, e acalme-se para então me dizer o que aconteceu, porque acabei de descobrir que não tenho o dom da adivinhação, graças a Deus – Joana falou conduzindo Andréia ao sofá. – Agora vai, respire fundo e me conte tudo.
Andréia ergueu a mão direita exibindo um belo anel. - Fiquei noiva – falou alto, sorrindo e com os olhos arregalados.
Joana soltou um gritinho como uma criança feliz. - Sério? Ai meu Deus, Andréia! Parabéns, parabéns, querida! – terminou abraçando a amiga. Depois perguntou: - Quando foi que Jorge fez o pedido?
- O pacote chegou ainda há pouco.
- O pacote? Que pacote? Como assim?
- Jorge está na capital essa semana. Está em treinamento para o novo emprego e só volta na sexta. E ainda há pouco eu estava indo para o banho quando mamãe me chamou e me entregou um pacote que veio pelo correio. Dentro havia uma caixa de bombons e em um deles estava amarrado o anel com o pedido. Não é demais? – Andréia falou num só fôlego.
- Sim, claro. Estou tão feliz por você, Andréia. Precisamos comemorar. Podemos sair, comer uma pizza...
- Tenho uma idéia melhor. Podemos ir encontrá-lo na capital para eu poder dar a minha resposta – Andréia interrompeu.
Joana pensou um instante e respondeu: - Até podemos ir, mas... Eu vou ficar de vela?
Ambas riram.
- Uma única vez. Vai Jô, diz que vem comigo.
- Está bem. Mas na hora do “sim” você vai sozinha. Fazemos o seguinte, comemoramos primeiro em um restaurante bem chique, já que estaremos na capital e depois você vai encontrá-lo. Pode ser?
- Fechado. Ele me passou o endereço do hotel antes de viajar, não tem erro. Partimos na sexta e voltamos para casa com Jorge.
- Combinado. E de novo parabéns, você merece e ele também – Joana segurou as mãos de Andréia ao falar.
- Modéstia à parte, mereço mesmo – Andréia se ajeitou no sofá e chegando bem perto de Joana confidenciou: - Só Deus sabe que ultimamente ele estava insuportável, me dizendo que não poderíamos nos casar sem termos nossa experiência sexual antes. Reclamou que eu não confiava nele...
- É sério, Andréia? – Joana levou uma das mãos à boca, admirada.
- É, minha amiga, não foi fácil. Dizia que os amigos dele todos já dormiram com as namoradas, que isso, que aquilo e só eu estava fazendo meu namorado esperar.
- E o que você disse?
- Disse que não. Que eu não era santa, mas sexo só depois do casamento. Claro que aí ele disse que você era quem estava colocando essas idéias puritanas na minha cabeça. Não neguei nem concordei, mas para ser sincera, Jô, só decidi esperar nas últimas investidas porque você tem falado sempre sobre isso comigo. E quero que meu lar seja abençoado, por isso só me caso virgem.
- Glória a Deus por isso! – Joana exclamou. – E glória a Deus por você já estar falando como uma “crente”. É isso mesmo. Agora, mudando de assunto, você podia dormir aqui, hoje. Ficaremos conversando até bem tarde, decidindo detalhes do seu casamento, do aniversário de Arthur...
- Topo já. É só o tempo de eu avisar a minha mãe e já nos recolhemos.
Assim que Andréia avisou a mãe que ficaria na casa da amiga, as duas seguiram para o quarto que tantas vezes já haviam compartilhado. Antes de se deitarem e ficarem tagarelando até que pegassem no sono, Joana convidou Andréia para lerem um texto bíblico e orar. De mãos dadas agradeceram a Deus por todas as bênçãos recebidas e pelas que haveriam de vir, intercederam por seus projetos, suas famílias e seus amigos. Terminada a oração deitaram-se como duas garotinhas rindo e tentando falar baixo por causa do horário. Dificilmente dormiriam logo, estavam muito ansiosas e animadas com a nova fase de suas vidas.


Saíram de Nostalgia na sexta-feira logo no início da tarde e pouco mais de uma hora depois chegaram ao seu destino.
Empolgadas com suas novas realizações, depois de encontrarem um hotel para passarem a noite, as duas jovens resolveram fazer compras e visitaram tantos shoppings quantos puderam antes do jantar. Vestidos, calças, jaquetas, cachecóis, sapatos, botas, bolsas e muitos modelos de casacas elas viram e reviram a exaustão, fazendo questão de provar cada um deles, além de maquiagens e cosméticos.
Ao fim de sua saga, as duas juntas não carregavam mais de três sacolas. Os preços não estavam lá tão bons como esperavam, e Andréia estava muito empenhada em poupar dinheiro para seu casamento.
Já estavam procurando um táxi quando Joana, ao passar diante de uma vitrine montada exclusivamente com moda masculina, resolveu entrar na loja. Precisava encontrar um presente para Arthur, seu aniversário seria comemorado na próxima segunda.
- Joana? – uma voz que não reconheceu a chamou por sobre seus ombros.
Joana se voltou na direção da voz. - Oi... – hesitou um momento procurando na memória o nome da jovem à sua frente. – Ângela?
- Eu mesma, querida. Como vai? – Ângela a cumprimentou apenas com um aperto de mão.
- Eu estou bem, obrigada.
- Joana, talvez não acredite, mas eu reconheci você pelo corte de cabelo. O mesmo de quando a vi pela primeira vez – Ângela provocou sorrindo. - Não tinha erro, só podia ser você.
Joana e Andréia se entreolharam não tendo certeza do que Ângela queria dizer.
- Esta é Andréia, minha amiga, minha melhor amiga, na verdade. Andréia, esta é Ângela. Ela frequenta a mesma igreja que Arthur - Joana as apresentou.
- O que fazem por aqui? Não estão perdidas, estão? Cidade grande, sabem como é – Ângela ainda sorria.
- Oh, não, não. Andréia veio fazer uma surpresa para o noivo dela que trabalha aqui na capital.
- Hum, que romântico! E aí resolveram fazer umas comprinhas. Olha, é a melhor coisa pra quem mora em cidade pequena. Vem passear, comprar, vê uma coisa ou outra... Vive. Entendem?– Ângela olhou de relance para as sacolas que as duas traziam.
Andréia logo se lembrou de que Ângela era a moça que Joana conhecera na primeira vez que foi a igreja de Arthur e agora, ouvindo-a falar, concordava que ela era meio abusada mesmo, e pensou: “Não gosto dessa garota”.
– Bem, quanto a mim, sei que vocês não perguntaram, mesmo assim vou dizer: Faz três dias que estou aqui andando de loja em loja – Ângela recomeçou a falar.
- Está procurando emprego? – Andréia resolveu provocar também.
- Não, não, querida... – Ângela tentou falar.
- Para estar três dias andando de loja em loja só se estiver atrás de emprego – insistiu Andréia, interrompendo-a. – E você tem cara de vendedora.
Ângela ignorou sem deixar transparecer que já estava ficando incomodada com Andréia. - Na verdade estou à procura de um presente... para Arthur – ela falou triunfante, depois, colocou as mãos na cintura e falou diretamente com Joana: - Não! Não acredito que você não sabe que o aniversário dele é na segunda.
Joana permaneceu em silêncio.
- Homens. Não entendo – a ruiva prosseguiu: - Principalmente Arthur com essa mania de não querer festa, presente... Mas eu não deixo passar em branco... Então, como eu ia dizendo, o aniversário de Arthur é na segunda, mas acho que ele ainda avisará você, Joana, afinal vocês são amigos como ele mesmo disse e...
- Hei! – Andréia quase gritou furiosa, quando interrompeu Ângela de novo. Joana poderia permanecer calada, já ela não deixaria aquela ruiva metida continuar a falar tanta besteira para sua amiga. – Claro que Joana sabe a data do aniversário de Arthur, afinal, eles são namorados e não apenas amigos como você diz, e estão apaixonados. Era isso que você queria ouvir?
Novamente Ângela fingiu não se importar com Andréia. - Ah, então veio comprar um presente para ele também? – ela forçou um sorriso.
- Não exatamente. Na verdade, vim para acompanhar Andréia e resolvi dar uma olhada numa lembrancinha, algo assim – Joana respondeu calma.
- Lembrancinha? – Ângela repetiu com desdém. – Eu vou comprar um presentão. Conheço muito bem Arthur, diz que não quer presente porque sabe que vai ganhar somente coisas maravilhosas. E você, querida, vai por mim, compre logo alguma coisa... – Ângela se empolgava gesticulando para dar ênfase ao que diria quando Joana a interrompeu.
- Ângela, desculpe, não quero ser rude, mas sei que Arthur vai gostar de qualquer presente que eu der a ele, independente do tamanho ou do valor, porque será dado com muito amor – Joana estava tranquila, mas decidida a por um fim naquela conversa infrutífera.
- É isso aí, Joana! – Andréia colocou um braço sobre os ombros da amiga encarando Ângela. – Agora vamos porque não podemos nos atrasar, seu namorado já está morrendo de saudades de você.
- Joana, querida, acho que começamos com o pé esquerdo, porém acredito que ainda seremos amigas. Agora preciso ir, nos vemos no aniversário. Tchau – Ângela girou sobre os calcanhares e se foi.   
- Que sujeitinha abusada essa Ângela! – Andréia estava inconformada.
- Esqueça ela, estamos aqui para nos divertir. E falando nisso é hora de comer – Joana falou olhando o relógio em seu pulso.
Foram a um restaurante que ficava nas proximidades do shopping onde estavam. O lugar era requintado e àquela hora muitas mesas já estavam ocupadas por clientes elegantemente vestidos, em sua maioria, advogados, médicos e empresários. Pediram seu jantar e enquanto aguardavam, Andréia falava dos planos que tinha para sua festa de casamento.
Parecendo menos interessada no assunto do que realmente estava Joana perguntou de repente: - E se ela tiver razão?
- O quê? Quem? Do que está falando, Joana? – Andréia ficou confusa.
- Você sabe. Ela.
- Não acredito que você está falando daquela girafa ruiva. Eu aqui sonhadora e você pensando nas bobagens que Ângela falou! – protestou Andréia.
- Desculpe, Andréia, não pude evitar – Joana respirou fundo. -Vamos continuar planejando seu casamento.
- Assim está bem melhor. Estou pensando em contratar...
- Mas ela é linda, alta, e está muito mais perto dele do que eu – Joana quebrou sua palavra em menos de dez segundos.
- Para! Para já com isso, Joana – Andréia ergueu a mão direita. – Que foi, ficou louca? Está se depreciando por causa daquela invejosa? Sim, porque é isso o que ela é: uma invejosa. Tudo bem que eu não sou cega e devo admitir que bonita ela é mesmo...
- Linda. Ela é linda – Joana tornou a repetir.
- Que seja então, já que você insiste. Mas agora olhe para você. Parece uma princesa, Joana! Linda, delicada. Claro, não tem a altura dela, os cabelos encaracolados dela... Eu tenho, mas sou mais os meus – Andréia deu uma gargalhada que abafou com a mão e voltou a falar: - Só pra descontrair. Enfim, graças a Deus que você não é parecida com ela porque assim você, e só você tem Arthur – Andréia parou de falar e lhe deu um sorriso generoso. – Bem, agora se tudo isso que eu falei não a convenceu de que a ruiva não é páreo para você, não sei mais o que fazer. Só sei que vou comer porque a comida está chegando, eu estou morrendo de fome e ainda tenho de dizer um belo “sim” esta noite. 
O garçom serviu as duas e retirou-se discretamente.
Joana estendeu o braço por cima da mesa e tomou a mão de Andréia. - Obrigada. Que bom que você é minha amiga. E tudo o que você falou serviu, sim. Já esqueci a tal... Como é mesmo o nome dela? - ambas riram por alguns segundos, depois Joana ergueu a taça com suco e Andréia fez o mesmo. - Um brinde a você. A melhor amiga de todas. E lhe desejo toda a felicidade do mundo – Joana chegou a se emocionar enquanto falava.
Após o jantar, seguiram direto para o hotel onde Jorge estava.
- Estou nervosa e minhas mãos tremem – Andréia anunciou assim que saltaram do elevador.
- Posso imaginar.
- Vejamos... cento e onze, cento e doze... – Andréia lia a numeração nas portas dos quartos. – Ali está o cento e quatorze. 
- Uau, de frente para o corredor! Deve ser uma bela suíte. Isso quer dizer que a proposta de emprego que ele recebeu foi boa. Deixe suas sacolas comigo e vá ser feliz – Joana não disse, mas estava tão ansiosa quanto Andréia.
- Me deseje sorte – pediu a noiva, tensa, juntando as mãos como em oração.
- Você já tem bastante, no entanto, se precisa de mais, que assim seja: muito, muito boa sorte a você. Esperarei perto da escada para não segurar vela. Ah, e não demore muito lá. Você ainda não se casou, veio apenas dizer o primeiro “sim”. Ok?
- Ok. Pode deixar.
Andréia caminhou sem pressa até a porta e se imaginou num belo vestido de noiva, caminhando em direção ao seu amado. Parou, respirou fundo e tocou a campainha. Esperou sentindo a emoção crescer. Novamente tocou a campainha. Ouviu, vindo do outro lado da porta, o som de chaves sendo movimentadas. A porta se abriu e uma bela jovem com traços orientais e com os cabelos molhados, vestindo um hobby branco, apareceu.
- Pois não? – perguntou a moça.
- Oi... Procuro... Quem é você? – Andréia perguntou confusa.
- Sou a Mari. E você, quem é?
- Mari? – Andréia ignorou a pergunta dela. – Que Mari? E o que faz aqui?
- Não que seja da sua conta, mas já que perguntou, sou uma acompanhante. Sabe o que é isso, não?
- Sim, mas... meu noivo... ele está aí... dentro – Andréia tentava falar, mas já estava ficando trêmula de ansiedade.
- Acho que você errou o quarto, querida. Estou aqui desde ontem à noite e não tem nenhum noivo perdido neste quarto, apenas um turista carente – Mari respondeu e começou a fechar a porta enquanto Andréia confirmava o número do quarto no papel que trazia nas mãos.
- Espera. Não estou no quarto errado, é aqui sim – Andréia forçou a porta abrindo-a de novo.
- Mari, quem está aí? – Jorge aproximou-se. Estava também vestindo um hobby branco e com uma pequena toalha secava os cabelos. Parou, lívido, ao ver Andréia na porta.
- Jorge! – Andréia exclamou sentindo lhe faltar o chão.


Sentada em um dos degraus da escada do edifício, alheia ao que acontecia com sua amiga a menos de cem metros de onde estava, Joana revisava o que ela e Andréia tinham comprado. Já não achava que fizera tão boa compra. Havia, nas lojas que visitaram, coisas bem mais bonitas e até mais baratas, e não entendia porque não comprara um par de botas ou até dois pares. Os que tinha estavam tão velhos que nem adiantava mais mandar pintar ou consertar. E o que era aquela casaca? Como fora capaz de comprar uma roupa tão cor de rosa e ainda com botões e bolsos pretos? Claro, a vendedora dissera que estava na moda e que lhe caíra muito bem. Mas quem estava usando uma casaca que chegou ao ponto de virar moda? Forçava o cérebro para se lembrar, procurando uma imagem que vira na televisão. “Ah, sim, verdade, eu vi alguém usando e era cor de rosa também, mas quem era mesmo”? “A rainha da Inglaterra” - lembrou. - A rainha da Inglaterra. Ai meu Deus, a rainha da Inglaterra! – repetiu em voz alta e rapidamente olhou em volta para se certificar de que não havia ninguém achando que era louca. - Não acredito, isso é coisa de velha. Aquela vendedora me empurrou uma roupa que vai ficar muito bem é na minha avó. Preciso devolver essa casaca, trocar, sei lá, ninguém mais usa além da rainha, pelo menos não nessa cor. Como Andréia me deixou comprar isso? – Joana ainda falava sozinha. - Bem, amanhã cedo troco por outra coisa já que terei de procurar um presente para Arthur.
Uma saudade gostosa apertou seu coração assim que pronunciou o nome do namorado. Onde estaria ele àquela hora? Tentou evitar, mas não pôde deixar de pensar por onde também andaria Ângela. Se pudesse, a seguiria para ver o que ela compraria para Arthur, afinal, Ângela parecia ter, pelo menos em questões de roupas, um gosto se não melhor, um pouco mais apurado que o seu. Imediatamente balançou a cabeça para apagar a imagem da ruiva da sua mente. Prometera a Andréia que não se abateria mais por causa de Ângela e estava disposta a cumprir a promessa para o seu próprio bem. Ainda pensando no que Andréia lhe dissera no jantar, levantou-se para esticar as pernas. Estava voltando para o topo da escada quando Andréia apareceu correndo. Havia lágrimas em seus olhos quando abraçou Joana pedindo que a tirasse dali.
- Andréia, o que aconteceu? – perguntou, aflita.
- Vamos embora, por favor, Joana.
- Vamos, mas... E Jorge? E o noivado?
- Não quero vê-lo nunca mais. Nunca mais – Andréia falava alterada enxugando os olhos.
Em seguida apareceu Jorge. Agora usava uma calça jeans por debaixo do hobby.
- Andréia, espere – ele chamou.
- Não fale mais comigo, Jorge. Estou voltando para casa – Andréia quase gritou pegando suas sacolas das mãos de Joana.
- Você precisa me ouvir, Andréia. Posso explicar...
- Explicar o que, Jorge? Não preciso de explicação para o que eu vi.
- Mas eu preciso explicar.
Joana olhava de um para o outro sem acreditar que estivessem brigando.
- Estou indo embora, Jorge – Andréia jogou o estojo com o anel no chão. – E faça o que você bem entender com esse anel.
- Gente, calma – Joana tentou fazer com que diminuíssem o volume de suas vozes. – Afinal, o que aconteceu, Andréia?
Antes que a amiga tivesse tempo de responder, Mari apareceu já vestida, perguntando: - Jorge, e meu pagamento?
O rapaz evitou o olhar das três. - Conversamos outra hora – respondeu secamente depois de um suspiro.
Mari não se moveu. 
Joana entendeu a triste realidade e se compadeceu de sua amiga. O flagrante em que Jorge fora pego era tudo o que Andréia não merecia naquele momento.
- Andréia, me ouve - pediu Jorge, caminhando em sua direção.
Andréia começou a descer as escadas seguida por Joana.
- Andréia! Andréia! Droga! – Jorge a chamou novamente sem obter resposta. – E você, o que faz aqui? Seu dinheiro está em cima do criadomudo. Agora me deixe em paz – falou para Mari. Em seguida desceu as escadas correndo. Alcançou-as antes de chegarem ao térreo. - Andréia, por favor, me ouça – Jorge a segurou por um dos braços.
- Me larga – ela se desvencilhou dele num tranco.
- Meu amor... Olha, não tenho explicação exatamente... Mas eu tinha minhas necessidades.
Joana se afastou de mansinho, daria tudo para não estar ouvindo aquela conversa.
- Não me chame de meu amor. Você me dá nojo – Andréia tinha faíscas nos olhos. - E não venha mais atrás de mim – saiu caminhando firme.
Jorge ainda tentou segurá-la e foi impedido por Joana. - Jorge, deixe ela ir. Por mais que você fale ou faça de nada vai adiantar agora. Ela está ferida e ninguém raciocina direito num momento como esse. Até mesmo você precisa ficar um pouco sozinho – destacou bem a última palavra. 
Jorge assentiu fechando o hobby. - Me perdoa, Joana? Ao menos você. Eu fui um idiota – pediu ele com olhos tristes.
- Primeiro você tem que perdoar a si próprio, Jorge. Depois deve tentar conseguir o perdão de Andréia o que não será fácil e também não estou dizendo que ela irá perdoá-lo – Joana se aproximou dele e falou com voz bastante calma: - Você precisa de Deus em sua vida, Jorge. Urgente – afastou-se dele desejando boa noite.
Jorge colocou as mãos na cintura e com o olhar acompanhou Joana se distanciando. Depois, subiu vagarosamente as escadas como se carregasse um fardo muito pesado sobre os ombros. Já dentro de seu quarto, sentou-se na cama e em seguida jogou o corpo para trás. Contemplou-se no espelho fixado na parede e não gostou do que viu. Estava pálido e desgrenhado. Reviu, mentalmente, as últimas cenas com Andréia e então caiu em si. Soluços que ele não pode controlar ecoaram de dentro do seu peito boca afora e grossas lágrimas de culpa e arrependimento rebentaram-lhe dos olhos. Chorou convulsivamente por minutos incontáveis.
- Aaaaaaah! – berrou, sem ninguém para lhe ouvir. Levantou-se da cama e foi até um pequeno balcão que ficava na sala minúscula, pegou uma garrafa de uísque e bebeu direto da garrafa sentindo o líquido forte queimar-lhe a garganta. Decidiu que talvez fosse melhor continuar bebendo. A noite seria longa.


Naquela tarde Joana aguardava pela chegada de Arthur ainda chateada pelo que acontecera à sua amiga. Depois que chegou, já tinha orado a Deus pedindo que Ele ajudasse Andréia e Jorge a encontrá-lo naquele momento difícil. Não pediu que a amiga perdoasse o namorado e sim que suas almas fossem salvas. A situação em que Jorge fora encontrado, era típica de alguém imaturo e principalmente sem Deus na vida. Ainda concentrada em seus pensamentos, ouviu Arthur estacionando o carro e correu os quase vinte metros de calçada que separavam a casa do portão. Nem esperou que ele a cumprimentasse e lançou-se, abraçando-o pelo pescoço, demorando-se assim alguns segundos.
- Está tudo bem? – Arthur perguntou meio preocupado embora tivesse adorado a recepção.
Joana assentiu ainda com a cabeça encostada no peito do namorado. - Senti muita saudade – falou, enfim.
- Que bom ouvir isso. Também senti muita saudade de você.
- Arthur... – Joana finalmente afastou-se e olhou nos olhos dele. – Preciso fazer uma pergunta.
- Pode perguntar – falou ele tomando as mãos dela.
- É que... É meio difícil...
- Pode falar. O que está incomodando a minha linda Joana?
- Venha, vamos nos sentar – Joana o conduziu a um pequeno banco que ficava no jardim. – Quem é Ângela? - perguntou quando se sentaram.
Arthur não respondeu de imediato. Tentou, enquanto se ajustava ao banco desproporcional ao seu tamanho, imaginar o motivo da pergunta de Joana. - É aquela moça que você conheceu outro dia lá igreja. A ruiva – ele disse.
- Acho que você não entendeu, Arthur. Estou perguntando quem é Ângela na sua vida? – Joana o encarou.
- Na minha vida? Joana, desculpe, ainda não estou entendendo.
- Peço desculpa também, Arthur. É que estive pensando...
- Ângela não é nada, não significa nada para mim – ele fez uma rápida pausa e mudou a entonação ao falar: - Joana, não acredito que Ângela afetou você quando a conheceu. O que foi que ela disse? Lembro-me de você falando para Samanta sobre Ângela ter sido sincera. Eu pergunto: sobre o que ela foi sincera?
- Esqueça. Você já respondeu a minha pergunta – Joana sorriu. – Estou satisfeita.
- Mas eu não – Arthur falou depois de nova pausa. – Se existe alguma coisa incomodando você, eu quero saber. Vamos, pode falar sem problemas.
- Bobagem, Arthur. Coisas sem importância. É que aconteceu uma situação triste com Andréia e Jorge e fiquei meio perturbada. Ele a traiu – Joana revelou.
- É uma pena. Eles pareciam se gostar tanto! E o noivado?
- Acabou.
- E por isso você acha que posso fazer o mesmo que ele fez? E com Ângela?
Joana ficou em silêncio.
- Olhe para mim, Joana – Arthur tocou levemente seu queixo. – Quero que saiba, sem ter dúvida, que você é muito importante para mim. Quanto à Ângela, acho ela já deve ter entendido que não pode ser minha namorada, porque tenho você. Aconteceu um beijo apenas e isso foi no ano passado. Não significou nada para mim. 
- Acho que ela é apaixonada por você - Joana recostou-se no ombro de Arthur.
- E eu por você – ele respondeu abraçando-a. – Lembra de quando disse que achava que a nossa história ficaria séria? – Joana assentiu. – Pois bem, nossa história já ficou séria e sou muito feliz assim.
- Eu também – Joana falou com olhos marejados pela ternura do momento.
- Agora vamos esquecer Ângela e vamos falar sobre o meu aniversário – Arthur moveu-se e Joana voltou-se para ele. - Como já disse, não faremos festa, somente um encontro com os amigos. E não quero que você se incomode com presente...
- Mas são seus vinte e cinco ano. Acho que devia ser comemorada em grande estilo.
- E será, porque você estará comigo.
- Obrigada, fico muito lisonjeada.
Dona Olívia apareceu na varanda acenando para que entrassem e ofereceu chá dizendo que era para ajudar a aquecer o corpo porque apesar do sol brilhante fazia bastante frio.
Na ampla sala de estar, como sempre faziam aos sábados, leram a Bíblia e Arthur fez a oração colocando diante de Deus os propósitos pelos quais vinham orando havia meses. Não se demorou muito na casa de Joana, precisava estar em casa cedo e se preparar para o culto dos jovens logo mais a noite quando seria o pregador.




Capítulo Cinco

 
Os preparativos do aniversário começaram cedo naquela segunda-feira.
Irmã Laura e as filhas se empenharam ao máximo para garantir que aquele não fosse um dia normal, e sim, um dia de alegria, apesar de Arthur não ter deixado de cuidar das suas obrigações na empresa como seu pai sugerira.
Ao descer para o café, Arthur foi cumprimentado pela família e Rosana tapou-lhe os olhos com as mãos, esforçando-se para alcançá-los, e o conduziu até a mesa dizendo empolgada que capricharam na primeira refeição.
- Oba! Já começamos bem – ele exclamou ao ver a mesa repleta de delícias e, colocada estrategicamente a sua frente, uma grande e apetitosa torta de limão, a sua preferida entre tantas outras de que gostava.
Cantaram parabéns a ele e irmão Josué, pedindo que dessem as mãos, orou agradecendo ao Senhor por mais um ano de vida concedido ao seu filho, e o abençoou dizendo que toda sorte de bênção o acompanharia enquanto vivesse, e que seus projetos, um a um, seriam realizados conforme a vontade e o tempo de Deus para sua vida. E todos confirmaram ao final dizendo “amém”.
Samanta deu ao irmão uma caixa pequena na qual havia um belo par de abotoaduras feitas em ouro e não esqueceu de mencionar que comprara com seu próprio dinheiro. Rosana presenteou-lhe com um belo relógio também em ouro. Irmã Laura, conhecendo o gosto do filho pela leitura e entendendo seu chamado no Reino de Deus, lhe deu uma Bíblia de estudos e um livro sobre liderança cristã. Do pai, ele recebeu um belo terno de uma conceituada grife italiana.
Arthur agradeceu dizendo que o mais importante era o amor que tinham por ele e as orações que faziam apresentando seu nome ao Senhor. - Mas não posso negar que gostei muito de tudo isso. Terei apenas de tomar cuidado para não sair usando tudo ao mesmo tempo, porque seria o homem mais caro de Alvorada e estaria correndo alguns riscos – terminou brincando. – Agora vamos comer, estou faminto.
Já em sua sala, na sede da Alvorada Tecidos e envolvido com os seus serviços, Arthur recebeu a ligação de Joana. Ela o parabenizou desejando bênçãos de Deus para sua vida. - Que o Senhor te abençoe e te guarde e te dê muita paz nesse dia e para sempre, Arthur. De coração.
- Amém e obrigado, querida.
- Agora vou deixá-lo trabalhar. Não quero atrapalhar seus serviços.
- Você sabe que nunca atrapalha e que é muito bom ouvir sua voz logo cedo.
- Você é realmente um cavalheiro, Arthur.
- E você uma linda princesa que tem o poder de me fazer esquecer do serviço e de qualquer outra rotina desgastante, e também gosto muito quando você me abençoa porque isso prova que se entregou a Deus de verdade. É uma alegria tê-la em minha vida.
- Obrigada, querido. Devo muito a você que me ensina a servir a Deus. Pode ter certeza de que no seu aniversário o presente é meu: Jesus, que conheci através de você e você que Ele me permitiu conhecer.
Com lágrimas enchendo os seus olhos, Arthur falou depois de longo suspiro para conter a emoção: - Oh, Joana, querida, assim você me derruba. Sabe que sou um chorão emotivo! Eu sou muito grato a Deus por tudo e por você. Agora ouça, quero que cheguem cedo hoje em minha casa, você e dona Olívia, para passarmos mais tempo juntos. Sairei daqui às seis horas para ajudar mamãe e minhas irmãs e será muito bom estar com você também.
- Estarei lá. Fica com Deus – Joana despediu-se também emocionada.
Depois do almoço com os funcionários que fizeram homenagens ao jovem patrão, Arthur voltou imediatamente ao trabalho. Precisava deixar tudo encaminhado para o dia seguinte com os fornecedores e com os bancos e ainda tinha que designar alguém para vistoriar o andamento dos serviços na construção da nova loja em Nostalgia. Perto das cinco e meia da tarde, três batidas na porta o trouxeram de volta de sua imersão no trabalho.
- Pode entrar – falou erguendo a cabeça, esperançoso que fosse Joana lhe fazendo uma surpresa.
- Boa tarde, aniversariante! – a voz dela estava cheia de animação quando colocou a cabeça para dentro da sala.
- Ângela? O que faz aqui? – Arthur perguntou meio desanimado.
- Trouxe um bolo para comemorarmos o seu dia – ela colocou o embrulho sobre a mesa. – Quero lhe dar um abraço e depois vou esperá-lo para irmos juntos à sua casa. Hoje é dia de festa – concluiu, aproximando-se rapidamente.
Arthur fez menção de levantar-se, mas foi impedido por Ângela que girou sua cadeira e o segurou pelas mãos. - Agora sim, pode levantar-se, querido. Hoje você merece o melhor tratamento possível.
- Ângela não precisa exagerar, não estou doente e ainda não sou um velho, são apenas vinte e cinco anos – protestou ele pensando porque ninguém avisara que Ângela estava chegando.
- Percebe-se, querido, que você ainda não é um velho e é exatamente por isso que estou aqui. Feliz aniversário, Arthur. E espero que tenha gostado da surpresa – Ângela o abraçava com força.
- Obrigado, Ângela. De verdade eu agradeço. Mas agora preciso terminar meu serviço...
- Já são quase seis horas, e por ser seu aniversario você já pode parar por aqui. Eu trouxe um bolo para comemorarmos com todo mundo. O que acha?
- Acho muito legal de sua parte, porém já comemoramos com os funcionários durante o almoço e...
- Mas come um pedacinho, sim, por favor? – Ângela deu a volta na mesa e desembrulhou o bolo. – Comprei com tanto carinho e não vou aceitar que rejeite.
- Tudo bem, Ângela. Há uma espátula naquele armário – apontou para um canto da sala. – Mas não podemos nos demorar.
Ângela correu buscar a espátula cantarolando de alegria. Voltou anunciando que tinha um presente para ele e que o entregaria mais tarde em sua casa e esperava que ele gostasse. Cortou, em seguida, um pedaço do pequeno bolo e o deu para Arthur que deu somente uma pequena mordida e agradeceu dizendo-se satisfeito.
- Podemos descer agora, Ângela – ele anunciou.
- Mas já? Ainda nem cantamos parabéns – ela cortava mais um pedaço do bolo.
- Já são seis horas e foi esse o horário que combinei com mamãe e minhas irmãs. - ele se levantou. - Vamos agora? Não quero me atrasar.
- Podemos ir juntos? Não vim de carro, queria caminhar um pouco. E vou direto para sua casa.
- Claro. É só o tempo de eu avisar o pessoal – respondeu mesmo querendo dizer que iria sozinho. – Descemos? Alguém virá recolher o restante do bolo assim que fechar a loja.
Desceram as escadas conversando animados e Arthur se convenceu de que Ângela estivesse apenas sendo simpática e se acostumando à ideia de serem apenas amigos. Uma das jovens atendentes subia as escadas e o avisou: - Seu Arthur, interfonei para seu escritório, mas não atendeu...
- Aconteceu alguma coisa, Luana? – ele quis saber sem interromper a descida.
- Está tudo bem. É que uma moça acabou de chegar perguntando pelo senhor e eu estava indo...
- Joana! – Arthur exclamou feliz assim que viu a namorada de costas olhando para fora.
- Oi! – Joana respondeu virando-se sorrindo, porém seu sorriso desapareceu assim que viu Arthur acompanhado por Ângela.
Imediatamente ele lembrou-se da conversa que teve com Joana no sábado à tarde sobre Ângela. - Que bela surpresa, querida! – ele tentou não deixar o clima tenso e caminhou até ela. – Está sozinha?
É exatamente como me sinto, sozinha”, Joana pensou. - Sim – ela respondeu olhando para Ângela. – Vovó acordou indisposta hoje.
- Que pena. Ela está bem?
Joana assentiu.
- Ótimo. Estou indo para casa. Que bom que veio até aqui, iremos juntos. Meu carro está no estacionamento. Vamos – ele segurou em sua mão.
- Verdade – Ângela também se aproximou. – Que bom que veio, assim podemos fazer companhia para o aniversariante do dia. Se não houver problemas, claro.
- Eu gostaria de ir... 
- Arthur, o que você acha? – Ângela perguntou tocando-o no ombro e interrompendo Joana de propósito.
- É... – Arthur hesitou olhando para a namorada.
- Eu gostaria de poder ir com você, Arthur. Mas se não tem outro jeito, vamos todos juntos – Joana concordou erguendo as sobrancelhas e sentindo-se vencida.
- Posso chamar um táxi se for atrapalhar – Ângela falou.
- Está tudo bem, Ângela. Pode vir conosco – Arthur concordou.
Joana tentou esconder seu desapontamento, no entanto, assim que entraram no carro, Ângela, que estava no banco de trás, apoiou um braço na poltrona de Arthur e outro na de Joana, de modo que ficasse entre eles. Começou a falar ainda antes de darem a partida.
- O que encomendou para a festa, Arthur? – perguntou mais para Joana que para ele.
- Na verdade não sei. Mamãe ficou de ver tudo. Ela é meio enigmática.
- Hum, adoro surpresas. Você não gosta, Joana? – Ângela deu um tapinha de leve com as costas da mão em Joana que apenas assentiu, depois se dirigiu a Arthur: - E você, o que prefere ganhar hoje? Uma lembrancinha ou um presentão?
- A presença dos meus amigos já estará de bom tamanho. E se tenho saúde tenho tudo. Deus tem sido bom comigo.
Joana não conseguia participar da conversa. Olhava pela janela e se não fosse parecer infantil pediria para Arthur que a deixasse saltar e chamaria um táxi para chegar a casa dele. Distraiu-se pensando nisso e por fim resolveu não dar-se mais uma vez por vencida, até porque, se saltasse do carro, não iria jamais para a festa de Arthur, voltaria para Nostalgia e procuraria esquecê-lo. Voltou a ouvir o que falavam quando Ângela fez uma pergunta que ela entendeu ser mais uma das suas provocações.
- Arthur, estou preocupada com o que sobrou do bolo que comemos no seu escritório. Não vai atrair ou alvoroçar formigas intrusas?
Arthur olhou para Joana e voltou a olhar para a estrada antes de responder. - Vai ficar tudo bem, Ângela. Alguém já deve estar recolhendo tudo.
Então eles tiveram uma festinha” – Joana pensou entristecendo-se.
- Assim me sinto melhor. Não me perdoaria em deixar espaço para intrusas indesejáveis. E existem tantas – Ângela agora se recostara bem nas poltronas a sua frente. – As formigas são uma verdadeira peste, não concorda, Joana?
- Não sei. Não tenho experiências ruins com formigas – Joana olhava ao longe. – Pelo que ouço falar, entendo que são mesmo inconvenientes, aparecem sem serem convidadas e amam carregar doces por onde andam. Preste atenção e me dará razão. Estas características definem verdadeiras intrusas.
Ângela engoliu em seco e um tanto desconcertada. - O que vai servir no jantar, Arthur? – ela desconversou o mais rápido que pôde.
- Sinceramente não sei. Rosana disse que ela e mamãe iriam preparar algo de que gosto muito. Como gosto de uma variedade de comida, confesso que também estou na expectativa.
Os pais de Arthur e também Rosana estranharam quando o viram chegar acompanhado de Joana e Ângela, mas ninguém comentou coisa alguma e receberam as jovens de igual modo.
Ângela foi logo falando: - Estou ansiosa para ver o que prepararam dessa vez. As festas aqui são todas tão elaboradas! Me sinto privilegiada em ter participado de todas desde que conheci vocês.
- Espero que gostem de comida oriental, mais especificamente de comida japonesa – foi a resposta de irmã Laura.
- Amo. Adoro comida japonesa – Ângela se aproximou de Joana sorrindo. – Viu, Joana, eu não falei que as festas aqui são de muito bom gosto? Mas não se preocupe por ter perdido as anteriores. Hoje você terá um gostinho do que eu estou falando. Espero realmente que goste da culinária japonesa. Eu gosto muito e é também uma das preferidas de Arthur.
- Não tem problema se alguém não gosta de comida japonesa porque pensando nisso mandamos preparar outros pratos também. Ok? Direitos iguais para todos – irmã Laura fingiu não perceber a intenção de Ângela.
- Não se preocupe comigo irmã Laura e nem mesmo você, Ângela, primeiro porque nunca perdi nada aqui, na verdade eu só ganhei e muito depois que conheci Arthur e toda sua família, e segundo, porque também gosto muito de comida japonesa – Joana sorriu torcendo para que não tivesse que comer nada de que não gostasse apenas para não dar o braço a torcer a Ângela.
Arthur decidiu que era hora de falar com Joana em particular. - Joana, pode, por favor, vir comigo? Quero lhe mostrar os presentes que já ganhei.
- Eu também quero ver – Ângela se ofereceu.
Samanta chegou à sala a tempo de ouvir o convite de Arthur e o requerimento de Ângela. - Acho que Arthur quer mostrar os presentes primeiro para Joana, a namorada dele – as palavras que todos pensavam e não ousavam pronunciar, saíam fácil pela boca de Samanta.
- Filha, que modos são esses? Ângela está apenas curiosa, não é? – irmã Laura ficou um pouco envergonhada do comportamento da filha.
- Está tudo bem, Irmã Laura, Samanta tem razão. Falei um pouco demais. É que estou tão emocionada, até parece que o aniversário é meu. E...
Antes que Ângela continuasse falando apareceu irmã Carmem, a cozinheira da família avisando que chegavam mais convidados.
- Depois eu mostro os presentes, Joana. Preciso receber meus amigos. Venha comigo.
Passado o alvoroço, Arthur pediu que cada um se acomodasse como achasse melhor e pediu licença para retirar-se um momento com Joana.
- Ela precisa acomodar suas coisas – justificou quando todos começaram a rir e a dizer que se arrependera de tê-los convidado.
Arthur a conduziu até seu quarto na parte superior da casa. - Está tudo bem? – perguntou.
Joana suspirou antes de responder. - Sim.
- Não senti firmeza nesse “sim”.
Os olhos de Joana se encheram de lágrimas em questão de segundos e desceram pelo seu rosto antes que pudesse impedí-las.
- Joana! – ele a pegou pela mão e a fez sentar-se em sua cama. – Me diga qual é o problema.
- Esperava não precisar dizer.
- É por causa de Ângela que você está assim?
- Arthur, Ângela incomoda, sim, um bom tanto, não vou negar, mas isso é de menos. O que realmente me chateou foi que, por ela estar por perto, eu não tive oportunidade de cumprimentá-lo ou dar um abraço e você também não fez questão disso. O tempo todo ela esteve me agredindo ou então insinuando que sou uma estranha, uma intrusa e você esteve na defensiva, na sua defensiva permita-me dizer.
- Joana, não é assim. Não estive na defensiva. De qualquer modo peço desculpas. Vem cá – ele a abraçou. – Olha, Ângela está tentando chamar a atenção, mas garanto que ela é legal.
- Não. Ela não é legal, Arthur. E eu sei que ela não é legal – Joana foi enfática. – Ela pode ser até mimada, já legal é tudo o que ela não é – Joana se desvencilhou dos braços dele e limpou os olhos. – Bem, vou tentar mantê-la longe de mim, esquecer que ela está aqui. Agora deixe eu lhe dar seu presente. - Joana tirou da bolsa o presente e o entregou para Arthur lhe desejando feliz aniversário. Ela mandara ampliar a foto em que eles estavam sentados sobre a grama à sombra da árvore que ficava na construção da Alvorada Tecidos e a colocara em uma moldura com designe moderno feita em prata. Na foto, logo abaixo deles, mandara escrever em letras brancas e discretas a frase “Um momento para sempre”. - Espero que goste – Joana falava já sem vestígio das lágrimas que derramara. - Não sabia o que comprar para alguém como você, então resolvi que esta foto, que como você sabe eu amo, seria ideal.
- Obrigado, Joana. De verdade. É simplesmente perfeito este presente. E você está linda na foto. Você é linda - Arthur olhava para o quadro como se estivesse revivendo o momento ali registrado. – Engraçado, parece que faz tanto tempo e às vezes parece que foi ontem – ele abraçou-a novamente. – Obrigado mais uma vez. E deixe-me dizer uma coisa?
- Uhum...
- Não se incomode com Ângela. Ignore-a e ela se cansará de tentar chamar a atenção. Combinado?
Arthur reapareceu na sala exibindo o presente que Joana lhe dera e explicou que aquela foto significava muito para os dois. Leu a frase nela impressa e ao fim os convidados aplaudiram. Levantando-se em seguida, cada um foi também entregando seu presente ao aniversariante.
Irmã Carmem avisou a Ângela que alguém a chamava no portão.
- A senhora pode abrir o portão para mim? É o meu presente que acaba de chegar - Ângela saiu sob os olhares atentos de Rosana e Samanta e voltou um minuto depois. - Pessoal, esperem – ela falou apressada vendo que se reuniam para cantar parabéns. – Falta ainda o meu presente.
Os olhares foram todos direcionados para o imenso pacote que ela trazia consigo.
- Tenho certeza de que todos irão gostar muito, inclusive Arthur – Ângela prosseguiu falando. - Modéstia a parte, este é um presente maravilhoso... E então, Arthur? – havia um ar enigmático na voz e nos olhos de Ângela. – Vai ficar aí parado? Venha me dar um abraço e receber seu presente.
Arthur permaneceu parado por alguns instantes enquanto era observado por todos em silêncio absoluto. Contrariado, largou a mão de Joana e atravessou a sala caminhando até Ângela.
Ângela abraçou Arthur pelo pescoço, afagou-lhe as costas com as mãos exibindo unhas longas perfeitas e com desdém em seu próprio olhar procurou nos olhos de Joana alguma informação sobre o que ela sentia. - Parabéns, meu querido. Espero mesmo que goste. Eu preparei com muito carinho – ela o beijou no rosto.
Mais aplausos se ouviram assim que Arthur abriu o pacote e mostrou seu presente: um grande quadro com uma foto sua bastante ampliada; não era em preto e branco, mas a intensidade das cores foi diminuída, o que deu um ar elegante à peça. Na foto, Arthur usava novamente camiseta branca e o boné que Joana já conhecia e como a original fora editada para apenas ser usado o busto, o quadro mais parecia ser de um modelo. Havia, num dos cantos do quadro, várias fotos pequenas, essas mais coloridas que a principal, e não era preciso chegar muito perto para que pudessem ser vistas. Cada uma delas estampava Ângela e Arthur em momentos diferentes. Algumas pareciam ter sido cortadas antes de serem coladas ali para que somente os dois aparecessem, outras eram originais e nelas podia-se ver que estavam na igreja e também na praça central de Alvorada, e certamente teriam sido feitas em momentos que passaram com os jovens da igreja. Uma última foto mostrava o carro de Arthur em um acostamento no centro da cidade.  
- Obrigado - Arthur agradeceu forçando um sorriso ao perceber que Ângela tinha intenções maldosas. – Não precisava se incomodar tanto.
- Não foi incômodo algum – Ângela sorria.  – Gostou? Sim ou não?
- Sim – respondeu apenas e chamou. – Agora vamos comer.
Samanta, curiosa, aproximou-se do quadro para ver melhor as pequenas fotos e não acreditou no que via. Olhou para Rosana com preocupação o que foi compreendido pelos convidados como olhar de admiração. 
- Também queremos ver de perto - gritou um deles e foi apoiado pelos outros que se precipitaram eufóricos para junto de Ângela que segurava o quadro.
A euforia acabou quando Joana, abrindo caminho por entre o pequeno grupo, viu o que continha nas fotos extras e não pode disfarçar a surpresa causada pela ousadia de Ângela.
- Pessoal, esses são alguns dos momentos que tenho vivido com Arthur e resolvi que deveriam estar sempre expostos para não serem esquecidos. Estas aqui foram feitas na nossa igreja – Ângela apontou umas das fotos sendo assistida por olhos descrentes que se cruzavam em indagação. – Estas outras são no centro e esta última é do dia em que Joana viria aqui pela primeira vez – Ângela riu nervosa. – Arthur me procurou para dizer que porque receberia uma amiga. Fiz a foto porque senti que ele entrava numa nova fase. - Eu disse a ele que não havia problemas, que também sou sua amiga e que seria muito bom conhecer Joana, mas ele insistiu que seria melhor que eu não viesse. Sabem como é Arthur, cavalheiro, educado, gosta de dar atenção especial a cada pessoa. Ele me convenceu. Fiz a foto depois que saí do carro – virou-se para Joana que estava como que inerte e terminou: - Mas que bom que você está aqui hoje, Joana e todos vocês também. Assim a gente fica sabendo que tem Arthur para todo mundo. O que acham de cantarmos parabéns agora?
- Vamos, vamos sim, por favor – irmã Laura apoiou a ideia de Ângela para acabar logo com aquele momento.
Joana quase não conseguiu mover-se de onde estava. Parecia haver um peso enorme em suas pernas e sua mente girava confusa com as cenas que acabara de assistir. Lentamente se aproximou da mesa onde iriam cantar parabéns e Arthur a pegou pela mão para que ficasse ao seu lado. Não acompanhou as palmas com o mesmo entusiasmo dos outros e assim que Arthur apagou as velas ela se afastou da mesa sem ser notada. Estava a ponto de desabar em lágrimas. Nunca antes fora tão humilhada em toda sua vida e sentia-se ainda pior porque mais uma vez Arthur não tomara nenhuma atitude para parar Ângela ou desmenti-la. Sentiu um calor terrível apesar da noite fria de outono e suas orelhas pareciam ferver. Saiu da sala e dirigiu-se para a parte externa da casa tentando respirar ar fresco sem ter certeza de que conseguiria, pois seu corpo inteiro parecia estar meio travado.
- Joana, o que faz aqui fora sozinha? – irmã Laura apareceu depois de um tempo. – Venha jantar, todos já se serviram.
- Já vou entrar, obrigada. Só precisei respirar um pouco – Joana sorriu sem vontade.
- Se eu pudesse faria companhia a você, mas sendo aniversário do meu filho fica difícil.
- Fique à vontade, irmã Laura. Daqui a pouquinho eu entro.
- Tem certeza? – irmã Laura afagou-lhe o braço.
- Sim. Obrigada.
Joana respirou profundamente por três vezes e resolveu que era hora de voltar a se juntar aos outros. Entrou na sala e logo Rosana se aproximou perguntando o que ela gostaria de comer. Agradeceu o interesse e serviu-se de uma porção de salada, mas a fome havia desaparecido.
Arthur se aproximou dela desculpando-se por estar dividido entre os convidados.
- Acho que logo irão embora. Amanhã é dia de trabalho. 
Arthur tinha razão. Em pouco mais de uma hora seus amigos começaram a se despedir um a um e ele os acompanhava até a porta.
Ângela se despediu antes da maioria e saiu jogando beijos para todos.
- Arthur, pode chamar um táxi para mim? – Joana pediu tão logo o ultimo convidado saiu.
- Pode dormir aqui, Joana, sem problemas. Já é tão tarde para você voltar para Nostalgia. Amanhã cedo você vai – irmã Laura ofereceu.
- Legal! Dorme aqui, Joana, dorme, por favor – Samanta pediu.
- Eu até ficaria porque também acho um pouco tarde, mas preciso cuidar de minha avó. Ela não estava muito bem hoje pela manhã. De qualquer forma obrigada – Joana falou em seguida para Arthur: - Você pega minha bolsa e chama um táxi?
- Eu levo você, Joana. Nada de táxi.  Vou buscar sua bolsa – Arthur subiu as escadas correndo e quando retornou seus pais e irmãs já tinham se recolhido.
- Não quero que me leve, Arthur. Amanhã você terá de estar acordado bastante cedo.
- Faço questão de levá-la, Joana. Venha - seguiram para o carro de Arthur e quando ultrapassaram o portão ela pediu que parasse.
- Esqueceu alguma coisa em casa? - Arthur perguntou.
- Quero fazer uma pergunta.
- Pode perguntar. Antes deixe-me dizer que precisamos conversar outra hora.
- O que aconteceu hoje, Arthur? – Joana perguntou ignorando o que ele disse.
- Como assim?
- Você sabe – Joana estava visivelmente irritada. – Todo o circo de que participei sem ser previamente avisada. Todas as afrontas, ironias, covardia, traição...
- Traição não, Joana. Esta palavra é muito forte...
- Traição, sim, Arthur. E da piores.
- Está dizendo que traí você, Joana? É isso?
- Exatamente. E quero saber o porquê de tudo isso. Ângela faz o que quer, diz o que quer e todo mundo finge não estar acontecendo nada! Que absurdo foi tudo aquilo que eu sofri sozinha feita a pior das mulheres em um salão cheio de olhares se cruzando, pessoas me achando uma perfeita idiota, sendo humilhada por uma ruiva sem escrúpulos?
- Joana, por favor. Não é assim como você está dizendo. Todos falaram muito bem de você hoje, dizendo o quanto é bonita, meiga...
- E burra – Joana completou interrompendo novamente. - Claro, porque só uma burra fica sabendo de certas coisas da maneira como aconteceu comigo. E não me diga que não é como estou pensando porque realmente não estou pensando nada, eu vivi a situação. É bem diferente.
- Ninguém achou você uma idiota. Como eu já disse, todos falavam bem de você.
- E você, Arthur, o que falava de mim para eles?
Arthur não respondeu e baixou o olhar.
- Imaginei – Joana concluiu. – Foi exatamente o que eu pensei. Você não tinha nada para dizer a eles sobre mim. Nem ao menos conseguia concordar com o que diziam.
- Não é verdade, Joana. A todo momento concordei com eles, falei das suas virtudes.
- E me deixou jogada pelos cantos enquanto curtia a companhia de Ângela. Que coisa mais contraditória, Arthur. Você nem se preocupou em deixar seus amigos por alguns minutos para me explicar o que Ângela estava escancarando, jogando na minha cara, na sua cara, na cara de todo mundo. Por que, Arthur?
- Joana, calma – Arthur segurou no braço dela.
- Estou calma. Só quero saber a verdade. Posso? Você gosta dela? Por que motivo não está com ela?
- Não gosto dela, Joana – Arthur franziu o cenho enquanto balançava a cabeça negativamente. – Sou seu namorado, gosto de você.
- De mim? Imagino se não gostasse! Teria me expulsado de sua casa depois de esfregar aquelas fotos na minha cara como fez Ângela – as lágrimas desceram fartas dos seus olhos.
- Joana, não faz assim – Arthur tentou secar-lhe o rosto com os polegares. - Só o que tenho para dizer é que Ângela não tem razão em nada do que disse e fez. Ela parecia estar doida e resolvi ignorar. Por favor, não chore, me sinto péssimo.
- Eu é que estou péssima, Arthur. Quando conheci Ângela na sua igreja ela já me disse que tinha estado com você mais cedo e que você falou tudo o que ela repetiu hoje. Eu a encontrei quando estive com Andréia na capital e ela novamente insinuou que vocês têm uma relação mal resolvida. E hoje, o que dizer de hoje? Ela proclamou que fez uma festinha para vocês dois, me provocou no carro e depois quase disse na sua frente que eu sou a outra e você resolveu ignorar.
- Joana, não é nada disso. Já disse a você que uma vez aconteceu um beijo e nada mais. É Ângela quem acha que somos namorados, isso é coisa da cabeça dela. Fiquei quieto porque não quero que ela contamine nosso namoro, não quero dar espaço a ela. Se você confiar em mim tudo dará certo. 
- Está dizendo que eu não confio em você... Posso confiar? – Joana olhou para ele com tristeza. – Eu nem queria uma explicação, queria apenas que você a desmentisse diante de todos, que você a fizesse parar e então sim, tudo estaria certo de verdade, Arthur – Joana agora olhava através da janela do carro. - Mas tomei uma decisão.
Arthur ficou apreensivo.
- Não quero mais passar por isso por causa de Ângela nem muito menos por causa de um namorado que não luta pelo que diz sentir por mim – Joana fez uma pausa e novamente olhou para Arthur. – Não quero vê-lo mais. Não quero continuar com esse namoro. Para mim acabou, Arthur. Espero realmente...
- Para. Joana, para com isso. Você está falando bobagem. Vamos conversar em outro lugar – Arthur passou de calmo a agitado num instante e deu a partida no carro
- Por que você está fazendo isso comigo, Arthur? – Joana voltou a chorar. 
- Eu não estou fazendo nada. Certo, tudo bem que fui errado em permitir que Ângela fosse tão longe hoje, mas vamos ignorá-la e tenho certeza que ela vai desistir de nos perturbar, vai se cansar. E também não queria fazer uma cena diante dos meus convidados. 
- Entendo essa parte também, mas quero que fale com ela. Que esclareça tudo sem deixar uma dúvida sequer - Joana exigiu.
- Não acho que será necessário, Joana. Hoje tive certeza de que Ângela é problemática. Podemos evitar um confronto e tenho certeza de que ficaremos bem.
- Isso não é o melhor para mim. Quero que pare o carro, por favor.
- Vai fazer o quê? – ele perguntou acelerando.
Estavam próximo a praça central da cidade.
- Por favor, pare o carro – ela esperou que ele estacionasse e voltou a falar. – É melhor terminarmos tudo aqui mesmo. Não quero sofrer mais tarde. Ouça, vou sair do carro agora e não quero que venha atrás de mim. Vou chamar um táxi e irei para casa. Por favor, não me procure mais – Joana abriu a porta do carro e saltou furiosa.
- Joana, volte aqui, por favor - Arthur pediu.
Joana seguiu a pé pela calçada acelerando os passos numa tentativa de fugir de Arthur enquanto ele a chamava de dentro do carro. Passou por um grupo de jovens que conversavam em volta de um dos bancos da praça e quando avistou um ponto de táxi seguiu direto para ele.
Arthur a alcançou e insistia chamando-a para que voltasse para dentro do veículo. Em vão.
Joana se aproximou do táxi que estava na vez, disse umas palavras ao motorista que fez que sim com a cabeça e depois seguiu para a parte de trás. Abriu a porta e colocou a bolsa no banco.
Arthur entendeu que Joana não estava brincando e só então percebeu que se a deixasse partir a perderia para sempre. Saiu do carro a passos largos. - Joana, eu te amo – ele gritou sem se incomodar se mais alguém além dela estava ouvindo.
Com o coração aos pulos, Joana interrompeu o movimento que fazia para entrar no carro e virou-se para ele.
- Não vá embora Joana, eu te amo. – ele parou assim que atravessou a rua ainda um pouco distante dela.
Joana também permaneceu parada onde estava e agora os olhares dos taxistas e dos jovens do outro lado da rua estavam todos voltados para eles, mais especificamente para Joana, como se esperassem, diante de uma cena de cinema, o final feliz.
- E então? – Arthur perguntou esperançoso.
Só Deus e Joana sabiam o que ela sentia naquele momento, o quanto queria ficar. Tudo o que quisera ouvir estava sendo dito, embora não na ocasião em que esperara, mas estava sendo dito, em voz alta, com todas as letras e diante de um número considerável de pessoas que agora seriam testemunhas daquele amor. Gostaria de correr para ele lançando-se em seus braços e declarar que também o amava, um amor calmo, tranquilo e imenso que enchia todo seu coração e transbordava por todo seu peito. Um amor que transformara sua vida, renovara os seus sonhos antigos e trouxera novos sonhos, nos quais já não se via mais sozinha nem com outra pessoa que não fosse Arthur. Em questão de segundos, reviu mentalmente as cenas na casa do namorado. Ângela já não incomodava tanto depois da declaração que ouvira, mas ainda incomodava. Baixou o olhar e lentamente voltou-se para o carro.
Arthur deu dois passos em sua direção e continuaria não fosse a voz que ouviu gritar atrás de si.
- Fica!
Ele procurou de quem partira o apoio ao seu pedido para que Joana não fosse e viu quando uma jovem de roupa preta e cabelos vermelhos chegou até o meio-fio e olhava diretamente para o táxi que estava prestes a levar sua namorada, e ela repetiu o “fica” para Joana. Atrás dela, o grupo de jovens se reformulou e todos, ao mesmo tempo, como um pequeno coral ensaiado previamente e decidido a apoiar Arthur, começaram a repetir:
- Fica! Fica! Fica!
A atitude dos jovens contagiou também outras pessoas que passavam pela rua e até os taxistas que aguardavam sua vez se juntaram ao coro pelo amor.
Arthur girava em torno de seu próprio corpo para poder ver todos que o ajudavam a convencer Joana, e sorria, enquanto com as mãos fazia sinal para que falassem ainda mais alto e ele próprio começou a pedir junto: - Fica! Fica! Fica!
Mais uma vez Joana interrompeu o embarque e sem pressa deu também dois passos à frente parando quase no meio da rua. Olhou para os dois grupos de torcedores e eles se calaram imediatamente e então ela perguntou para Arthur: - Me ama?
- Muito, muito, muito – a resposta foi imediata e cheia de alegria.
A platéia, sem um movimento sequer, esperava apreensiva e ansiosa para soltar o grito de comemoração que estava prestes a ecoar pela noite fria quando Joana voltou a falar.
- Se me ama, então já sabe o que tem de fazer – deu meia volta e rapidamente embarcou no carro que se foi, deixando Arthur e os espectadores boquiabertos com a sua decisão.



Capítulo Seis


Nas duas semanas seguintes Arthur tentou em vão falar com Joana que se recusou recebê-lo em sua casa e sequer aceitou falar com ele ao telefone. Não foram poucos os esforços de dona Olívia e Andréia para que ela o ouvisse, porém não obtiveram sucesso. Era como se alguém, de repente, tivesse trocado o coração dela por uma pedra fria e intransponível, tamanha era a dificuldade de tocá-la com apelos e palavras por mais insistentes que fossem. Não pronunciava o nome dele em circunstância alguma e não permitia que outros o fizessem, dizia apenas que Arthur sabia exatamente o que fazer para que ela viesse a querer ouvi-lo novamente.
Irmão Josué e irmã Laura não condenavam Joana nem muito menos o filho, no entanto, mais de uma vez o procuraram para falar sobre o assunto, e desde a primeira conversa, deixaram claro que o que estava acontecendo era sim, em boa parte, por sua culpa. O fato de ter permitido que Ângela interferisse daquela forma em seu relacionamento era o motivo do afastamento de Joana de sua vida e que se ele não tomasse nenhuma providência era bem possível que o relacionamento viesse acabar definitivamente.
Mesmo sem discordar dos pais, Arthur não aceitava que Joana tivesse tomado a decisão de pôr fim ao namoro em um momento de ânimos exaltados. Sabia que a raiva ou a decepção fora o ponto principal para ela ter se afastado, ainda assim, esperava que Joana tivesse confiança nele e conseguisse vencer o ciúme causado pela presença de Ângela, o que ele entendia ser um sentimento desnecessário de ser nutrido pela namorada porque nunca dera motivo para ela se sentir insegura e muito menos traída, como declarara a ele ainda naquela noite. Até concordava que Joana se mantivesse triste ou decepcionada por um momento, afinal Ângela fora bastante desagradável, só não podia entender como ela conseguia manter-se fria e distante depois de tudo o que vinham compartilhando nos últimos meses e também considerava que talvez ela não o amasse tanto quanto parecia, porque, se assim fosse, ela não o deixaria só por tanto tempo sabendo que Ângela estava por perto. Outra coisa que não conseguia digerir era o modo como Joana se comportara quando, no meio da rua, diante de um número considerável de pessoas estranhas, ele se declarara dizendo o quanto a amava. Que tipo de mulher não se permitia degelar o coração e aquecê-lo com palavras tão verdadeiras e quase desesperadas como as que ela ouvira de sua boca?
Obviamente não se sentia tão bem ao pensar nisso tudo como aparentava. Estava sofrendo com a ausência de Joana, e em seu quarto, muitas vezes demorava a dormir e uma profunda tristeza se instalava em seu peito todas as vezes que olhava para a foto que recebera dela como presente de aniversário. Até uns quilos já perdera devido à falta de apetite para comer e por ter se entregado ao trabalho com muito mais afinco. Passava horas debruçado sobre pilhas e mais pilhas de papel, analisando tecidos novos e em longas negociações com fornecedores de vários estados e também com clientes. Quando não estava na empresa era fácil encontrá-lo no escritório que montara em seu quarto estudando a Bíblia e preparando suas aulas para a Escola Dominical. Raras vezes recebia poucos amigos em casa e quase nunca saía se não fosse para atender a algum compromisso. Designara o músico Marcos, seu melhor amigo e funcionário da Alvorada Tecidos, para acompanhar o andamento das obras que realizavam em Nostalgia. Depois de ter tentado por algumas vezes falar com Joana, não queria mais ter de voltar à cidade dela, pois por certo a procuraria e não haveria resposta satisfatória. Chorava sozinho de saudade e através da janela assistia as primeiras chuvas que anunciavam a proximidade do inverno, e era inevitável comparar sua própria vida a das plantas que começavam a perder flores e folhas. Sentia-se exatamente assim, perdendo um pouco da vitalidade a cada dia que passava longe de seu grande amor.
Quanto a Joana, sua rotina continuava a mesma. Cuidava de seus afazeres e da avó que estivera um tanto indisposta nos últimos dias e passava longas horas tagarelando com Andréia sobre suas vidas. Ainda que dissesse a todos que perguntavam por Arthur que não queria mais vê-lo, a verdade era bem diferente disso. Sonhava com ele até mesmo acordada e rabiscava seus nomes em cada pedaço de papel que encontrava. Não soube responder para Andréia de onde tirara força, ou frieza o bastante, a ponto de ouvir do próprio Arthur, que ele a amava e assim mesmo ignorá-lo completamente, dando as costas e voltando para casa. Como quisera ficar! Como quisera correr para os braços dele e dizer que também o amava, que sonhava viver com ele para sempre! Os dias sem Arthur perderam o sentido, o calor e principalmente o romantismo.       O outono, que ela sempre valorizara como a melhor estação do ano, já não estava mais tão colorido como fora dias atrás, voltara a ser cinza e apático e já não tinha tanta certeza de que era mesmo do outono que gostava, afinal ele trouxe duras realidades para ela e para Andréia. Agora eram duas se consolando mutuamente e tentando esquecer os homens que mexeram com suas vidas, transformando-as. Andréia ainda tentava fazê-la voltar atrás em sua decisão de deixar Arthur e toda vez que o fazia era repelida com dureza. Joana não permitia que alguém o defendesse e o fato de Arthur ainda não ter tomado uma decisão que ela considerasse satisfatória era sinal de que ele não sentia sua falta, decretou.
- Como pode saber que ele ainda não tomou essa tal decisão que você tanto espera se nunca mais quis recebê-lo para conversar, para ouvir o que ele teria a dizer? - Andréia perguntou um dia quando conversavam.
- Porque não quero ouvi-lo e sim porque quero vê-lo fazendo algo que esclareça bem as coisas para mim e principalmente para Ângela - Joana respondera concentrada.
Enquanto esperava que tal decisão fosse tomada por Arthur, Joana procurava conhecer mais e mais a Deus. Dois cultos foram realizados em sua casa pelos jovens da igreja de Arthur e nos dois o pastor Arnaldo e sua esposa irmã Flávia estiveram presentes. No primeiro, a ministração da Palavra ficou sob a responsabilidade do pastor e no segundo, irmã Flávia foi quem pregou.
Dona Olívia, Joana e Andréia ficaram impressionadas com o conhecimento que a jovem pastora demonstrara obter ao falar sobre a mulher pecadora que ungiu os pés do Senhor Jesus em meio a uma reunião que era liderada por homens religiosos e sem amor pelas vidas que precisavam de salvação.
Irmã Flávia falou-lhes sobre o ato de amor, gratidão e adoração realizado na ocasião por uma mulher rejeitada pela sociedade hipócrita e machista daquela época, uma mulher que reconhecera em Jesus seu Salvador e Libertador e resolvera ofertar o que tinha de melhor. Falou-lhes também que aquele ato, por ser uma oferta sincera, tocou o coração de Deus e Jesus a perdoou dos seus pecados, contrariando assim, todo o conceito que aqueles que julgavam a pecadora arrependida tinham sobre adoração. Ao final da rápida explanação da pastora, havia lágrimas nos olhos de todos os presentes.
Foi nessa reunião que dona Olívia, tocada pelas palavras ungidas que ouvira na pregação, resolveu se entregar a Cristo com toda sua alma e coração, o que foi motivo de festa para os presentes e para Joana que ficou emocionada. Sua alegria foi ainda maior quando já ao final da reunião, Andréia se aproximou dela dizendo que também queria receber a Jesus em sua vida e aprender a adorá-lo. Ainda antes que encerrassem aquele culto abençoado, Joana abriu seu coração fazendo um pedido para que orassem ao Senhor clamando pela vida de sua mãe para que onde ela estivesse o Espírito Santo a tocasse trazendo-a de volta ao lar, pois queria que também ela tivesse a oportunidade de conhecer a Cristo e fosse salva por Ele. Após a oração o pastor Arnaldo ministrou bênçãos sobre suas vidas e sobre a vida da mãe de Joana onde quer que ela estivesse naquela hora, decretando vitória para toda a família.
Joana pensava em como quase tudo estava perfeito, só faltava Arthur para compartilharem as tantas alegrias que ela estava vivendo. Sentia uma saudade profunda que chegava a doer fisicamente toda vez que lembrava que fora ele quem a levara a Cristo e agora estava distante. Por muitas vezes pegou o telefone e por pouco não ligou para ele antes que saísse do trabalho pedindo para conversarem e resolverem tudo o mais rápido possível, mas detinha-se ao lembrar que esperava que ele demonstrasse o amor que dissera sentir por ela, deixando claro para Ângela que estava na hora de ela desistir de importuná-los.
Arrependia-se por não tê-lo recebido nas vezes em que ele a procurou apesar de ainda sustentar firmemente a ideia de que estava certa, pois queria viver um amor sem reservas, sem nada que interferisse. Seu maior medo era repetir a história que a mãe vivera ao colocar um amor acima da razão e do amor próprio, permitindo que esse sentimento a levasse para longe de seu bem maior, sua família. Desde adolescente, decidira que esse não seria seu futuro e que só entregaria seu coração a um homem íntegro e que sonhasse, assim como ela, em construir uma vida feliz e uma família a qual ele amasse. Não duvidava de que Arthur fosse esse homem, porém, não estava disposta a ceder sem que ele resolvesse primeiro a situação com Ângela para não correr o risco de começar o relacionamento de maneira instável. Confiaria nele, sim, cegamente, mas esse era o momento de ele mostrar que ela poderia abandonar-se a esse amor. Não tinha certeza sobre até quando conseguiria manter-se firme sem procurá-lo, lutaria para que aguentasse ao máximo, ignorando, como se pudesse, a dor da saudade e esperava ansiosa pelo dia em que seu amado resolveria aquela situação e seriam felizes. Sabia que se vencessem esse obstáculo no início do namoro e ainda continuassem se respeitando e se amando, nada mais poderia separá-los enquanto vivessem. Sentia isso cada vez mais forte e todas as vezes que orava ao Senhor, mesmo chorando muito, voltava a sonhar e a amar ainda mais o namorado e agradecia sempre a Deus por saber que Ele cuidava de si.


Já no início da terceira semana que estavam separados, Arthur soube o que faria para conseguir convencer Joana de que estava pronto a viver somente para ela. Estava em seu escritório pensando na melhor maneira de pôr em prática o seu plano quando a secretária o avisou que alguém procurava por ele. Com o coração aos pulos, mandou avisar para que a visita entrasse, imaginando tratar-se de uma surpresa de Joana.
- Bom dia! – o rapaz que adentrou a sala cumprimentou.
- Bom dia – Arthur respondeu meio confuso.
- Acho que não se lembra de mim – o rapaz estendeu-lhe a mão. – Sou Jorge, namorado ou ex-namorado de Andréia, amiga de Joana.
- Oh, sim, claro – Arthur finalmente o reconheceu. – Desculpe, estava meio distraído. Vamos nos sentar – apontou para o sofá.
- Desculpe incomodá-lo em seu local de trabalho, Arthur, mas a verdade é que eu não sabia mais o que fazer nem com quem falar.
- Fique à vontade.
- Preciso de uns conselhos, uma ideia, porque, não sei se você sabe... Bem, Andréia terminou tudo comigo – Jorge desviou o olhar para o chão. – Eu a amo, no entanto fui capaz de traí-la com uma acompanhante profissional e ela me flagrou.
- Entendo – Arthur balançou a cabeça.
- Eu havia acabado de pedi-la em casamento e entendi que tinha direito a uma despedida de solteiro. Somente depois de ela ter me deixado foi que descobri o tamanho do meu sentimento por ela – Jorge suspirou e continuou. – Eu a quero de volta, Arthur. Estou disposto a fazer o que ela quiser para que me perdoe. Como Andréia sempre dizia que você é diferente, que Joana teve sorte em conhecê-lo - porque eu sempre fui meio relapso com o nosso namoro - imaginei que você seria a pessoa certa para me ajudar. O que me diz?
Arthur pensou por um momento antes de começar a falar. Pensou em Joana e em sua própria tristeza, contudo, a situação de Jorge era bem pior. Ele precisava que algo preenchesse o vazio na sua alma, e nisso Arthur poderia ajudá-lo. - Primeiro você precisa admitir que errou. E estou falando de admitir para você mesmo – Arthur falou devagar. – Sem procurar desculpas dizendo que foi por isso ou por aquilo que o erro aconteceu, nem muito menos por causa de Andréia. Simplesmente deve ter coragem de dizer para si mesmo que foi fraco e que está arrependido.
- Certo – Jorge ouvia atentamente.
- Ela precisa saber que você reconhece o erro e que se arrependeu e precisa saber também que você a ama de verdade, o que não vai ser fácil de conseguir provar e, mesmo que consiga, não terá garantia alguma de que ela o perdoará e voltará para você. Tem de estar ciente disso.
Jorge assentiu.
- Ela confiava em você a ponto de se casar com você e tudo isso foi quebrado. Não é fácil ajuntar os pedaços e reconstruir qualquer coisa e muito mais difícil ainda é restaurar a confiança perdida. Mas ainda é possível.
- Ufa! – Jorge exclamou suspirando. – Já estava pensando que não havia mais remédio para mim.
- Sempre há remédio. Só estou falando tudo isso porque sei que nem sempre ele produz o efeito esperado – Arthur falava pensando em Joana. – Mas há remédio e se você decidir fazer o certo tem grandes chances de funcionar bem.
- Preciso muito que funcione, que dê certo.
- Porém, deixe-me lhe dizer que o que mais você precisa é de Deus em sua vida - Jorge não esboçou nenhuma reação e Arthur prosseguiu falando: - Ainda que tudo saia errado, se você tem Deus em sua vida, se vive para servi-lo e adorá-lo, jamais perderá a esperança, jamais estará em desespero, muito pelo contrário, você terá paz. Porque só Deus pode restaurar aquilo que nós mesmos quebramos ou destruímos.
- Está dizendo que tenho de me tornar um crente para consegui-la de volta?
- Não, absolutamente. Estou dizendo que você precisa de Deus. Precisa receber a Cristo como seu Salvador pessoal e aí sim, toda sua vida será diferente porque terá a salvação da sua alma. Não precisará daquilo ou de quem você não tem para ser feliz, e então, mesmo em meio a problemas, terá um refúgio seguro e infalível em Deus – Arthur estava fazendo o que ele mais gostava que era evangelizar. – Há relacionamentos de vários aspectos que dão certo, são duradouros mesmo entre pessoas que não servem a Deus? Tipo afetivo, social? Sim, há. Mas o mais importante será viver feliz depois de sua vida aqui e isso só será possível se vivemos escondidos em Deus e segundo o que foi estabelecido por Ele para uma vida que O agrade. Tanto você quanto Andréia e toda a humanidade, todos precisamos de Deus. Falo isso porque depois que minha família e eu o recebemos e decidimos segui-lo, toda a nossa vida foi mudada para melhor. Ainda ficamos doentes, sofremos, choramos, nos decepcionamos com as pessoas e até mesmo com aquelas que já são de Jesus, a diferença, como eu já disse, é que temos paz na tempestade. Entende?
- Sim, estou começando a entender – Jorge respondeu já mais interessado.
- Imagine assim: como se um barco, um grande barco estivesse em alto mar com muitas pessoas a bordo... De repente uma tempestade se formasse e ventos e ondas o açoitassem... Seria necessário um leme para que o barco pudesse continuar sendo governado, do contrário, perderia o rumo e até seria possível que naufragasse. Assim é conosco. Também passamos por tempestades no mar da vida, mas quando Jesus está em nosso barco, tudo é diferente, Ele nos leva em segurança até o porto. Jesus é nossa bonança em meio ao temporal e quando estamos bem Ele ainda continua cuidando de nós.
- Belas palavras, Arthur. Agora entendo o que Andréia queria dizer com “ele é diferente” – Jorge estava emocionado.
- Apenas digo a verdade, o que tem dado certo com muitas pessoas. Por isso é que você não precisa se tornar um “crente”, principalmente se pensa em se converter apenas para conseguir coisas, favores... Você precisa, na verdade, pertencer a Jesus por inteiro, viver para adorá-lo. Ele cuidará de todo o processo para manter seu barco a deriva e em paz. Acredito que se você pedir perdão a Ele e pedir também pelo seu relacionamento com Andréia, tudo se resolverá antes do que você imagina, mas conforme a vontade Dele – Arthur sorriu. – Posso fazer uma oração por você, Jorge?
- Pode. Pode sim.
Arthur orou pedindo a Deus que fizesse com que Jorge encontrasse paz em Jesus Cristo. A oração foi rápida e quando disseram amém Jorge tinha os olhos umedecidos. Agradeceu muito a Arthur pelo tempo que dispôs em atendê-lo e o abraçou. Despediram-se após combinarem uma visita de Jorge a igreja de Arthur.
A paz que Arthur pediu para Jorge em oração também o inundou por completo. Quando voltou a ficar sozinho no escritório tornou a sentar-se no sofá agradecendo a Deus por ter tido a oportunidade de evangelizar alguém naquele dia. Pensou em Joana e se lembrou de que tinha decidido o que fazer para convencê-la a voltar para ele.
- Ah, Joana, Joana! – exclamou levantando-se do sofá com um sorriso nos lábios. Pegou o telefone e discou o número dela. Após três chamados ele teve um calafrio imenso quando reconheceu a voz que o atendeu.
- Alô? – Joana parecia estar tranquila.
Arthur não conseguiu responder de imediato.
- Alô? Tem alguém aí? – ela esperou.
- Oi! – Arthur falou lentamente sentindo as mãos trêmulas.
Houve um silêncio profundo do outro lado da linha e ambos não souberam o que dizer por alguns segundos que pareceram se estender.
- Tudo bem? – foi Arthur quem perguntou.
- Tudo – Joana respondeu após hesitar.
- Eu estava pensando em você. Que bom que não desligou dessa vez – Arthur deu um sorriso nervoso. Em seguida perguntou: - Podemos falar?
- O que você tem para me falar?
Arthur se alegrou com a resposta mesmo em forma de pergunta por que significava que ela estava se abrindo para ouvi-lo.
- Muita coisa. Muita coisa mesmo, Joana – a voz dele estava quase falhando de emoção.
O coração de Joana saltou dentro do seu peito ao ouvir seu nome pronunciado pelo namorado. Ainda tensa respondeu: - Então pode começar. Estou ouvindo.
- Não gostaria que fosse assim. Prefiro ir até sua casa...
- Não acho que seja necessário que você venha – Joana interrompeu.
- Então não quer me ouvir.
- Sim. Já disse que pode começar. Estou esperando.
- Joana... primeiro preciso dizer que estou com muita saudade de você – os olhos de Arthur se encheram de lágrimas. – Não tem sido fácil e por isso eu acho melhor nos encontrarmos...
- E eu acho que você pode falar ao telefone mesmo.
- Certo. Tudo bem. É o seguinte, Joana...
Arthur foi interrompido por alguém que invadiu sua sala e antes que pudesse dizer qualquer coisa ouviu a voz da secretária preocupada: - Arthur, me desculpe, mas ela nem sequer parou na recepção. Entrou direto dizendo que não precisava ser anunciada.
Arthur ficou meio paralisado olhando a jovem a sua frente e exclamou ainda com o fone próximo à boca: - Ângela?! O que faz aqui?
Do outro lado, Joana desligou o telefone, decepcionada.


- Alô? Alô? Alô? – Arthur quase gritou ao tentar, em vão, ouvir a voz de Joana ainda ao telefone; desligou o aparelho transtornado e voltou-se para Ângela: - Aí, viu o que você fez?
- Desculpe Arthur. Era uma ligação importante? – Ângela permanecia parada no mesmo lugar.
- Importante? – Arthur apoiou o braço direito sobre a mesa. – Receio que fosse a ligação mais importante da minha vida. E você estragou.
- Eu tentei impedi-la, Arthur. Disse que você estava ocupado, mas não adiantou de nada – a secretária desculpou-se mais uma vez.
- Está tudo bem, Silvia. Pode ir agora. Obrigado.
- Me desculpe, Arthur – Ângela caminhou rapidamente para ele assim que Silvia fechou a porta. – Atrapalhei alguma transação?
- Isso eu resolvo outra hora. Agora me diga o que veio fazer aqui?
Ângela sentou-se na cadeira em frente à mesa de Arthur. - Se estraguei alguma coisa, boa parte da culpa é sua, Arthur. Tenho tentado desesperadamente falar com você desde o seu aniversário. Ligo para cá pelo menos duas vezes ao dia e sempre aquela secretária me diz que você não está ou que está muito ocupado. Sei que está me evitando, só não sei por quê.
Arthur sorriu e balançou a cabeça negativamente não acreditando que Ângela estivesse querendo passar por desentendida sobre o motivo dele não mais atendê-la.
- É verdade, Arthur. Não sei o motivo de sua apatia. Acho que é por causa de Joana, porém não vejo razão para tanto. Saiba que é ela quem não gosta de mim. Já tentei me aproximar, fazer amizade e ela não cedeu.
Arthur sentiu uma raiva crescente dentro do seu peito enquanto Ângela falava.
- Olha, eu posso ignorar tudo o que ela me fizer, já quanto a nós dois, Arthur, não acho justo ela tentar nos separar, acabar com nossa amizade e ter toda a sua atenção.
- Ângela, entenda, por favor, que não existe “nós”. Não existe. Eu e você como homem e mulher não será possível. E já está impossível vivermos como amigos também – ele tentava se controlar quando sua vontade era expulsá-la dali. – Até porque ela não tem minha atenção simplesmente. Ela tem minha atenção por ser minha namorada.
- Não fale assim, Arthur. Isso me dói tanto! Gostaria de entender porque não eu.
- Me apaixonei por Joana e já mesmo antes disso eu fui franco com você, eu lhe disse que não haveria mais nada entre nós. Agora por favor, deixe-me trabalhar – Arthur começou a mexer em seus documentos sobre a mesa. – Tenho muito que fazer.
- Sei que estão brigados – Ângela não desistiu.
- Como disse? – Arthur parou o que fazia.
- Eu sei que ela não quer mais saber de você. Se ela o amasse de verdade não teria essa atitude egoísta.
- Não se atreva a falar de Joana, muito menos para chamá-la de egoísta – os olhos de Arthur faiscavam. – Quem lhe contou?
- Seus amigos e Samanta me disseram que ela não quer mais saber de você e que é minha culpa. Arthur... – Ângela segurou na mão dele. – Quase um mês já se passou e ela não quer falar com você. Que amor é esse?
Arthur se desvencilhou da mão dela e afrouxou o nó da gravata antes de falar. - São todos uns fofoqueiros. Mas estão enganados. Eu falava com ela ao telefone quando você invadiu a sala e está tudo bem.
Ângela parou por um instante e o observou quieta. Não esperava por aquela resposta, mas estava disposta a ignorá-la. - Então por que ela desligou?
- Não importa. Já tínhamos acertado nosso encontro para nos reconciliarmos e francamente, Ângela, não tenho que lhe dar satisfações.
- Mentira. Sei que ela desligou porque ficou novamente chateada quando ouviu que eu cheguei aqui. E vai ser assim sempre. Joana simplesmente não tem estrutura para confiar no seu amor se eu estou por perto. Ela é insegura. É isso mesmo que quer para você, Arthur? Uma mulher insegura e que o abandone...
- Chega! – Arthur a interrompeu bruscamente. – Chega, Ângela, você está passando dos limites da minha paciência.
- E ela não confia no seu amor. Por isso ela não o merece.
Arthur chamou a secretária pelo interfone.
- Silvia, por favor, acompanhe a senhorita Ângela. Ela está de saída.
- Arthur, não faça isso – Ângela pediu. – Não me expulse e não me ponha para fora pelas mãos de uma empregada.
- Silvia é minha secretária. Estudou para isso e terá uma carreira brilhante. Você não tem o direito de tentar diminuí-la. Agora vá e, por favor, não volte mais aqui – Arthur caminhou até a porta pondo-se ao lado de Silvia.
Ângela levantou-se devagar segurando a bolsa pelas alças, ergueu a cabeça e com passos firmes chegou até os dois não se dando por vencida. - Pense bem em tudo o que lhe falei, Arthur. Uma pessoa insegura pode pôr tudo a perder, é um risco permanente que você não precisa correr.
- Eu sei o que é melhor para mim – Arthur respondeu mais calmo agora, colocando as mãos nos bolsos.
- Eu também sei – Ângela olhou dentro dos olhos dele.
Entre os dois, Silvia fingia não estar ali ou pelo menos fingia não estar ouvindo sua conversa. Sem se mover, procurava na sala um ponto onde pudesse fixar os olhos e concentrar seu desconforto.
Arthur desviou os olhos e rapidamente voltou a olhar para Ângela. - Me desculpe se fui grosseiro. Você me tirou do sério e eu já estava chateado pelo que você fez no meu aniversário.
- Eu só estava lutando – Ângela olhou de relance para Silvia. – Você sabe, Arthur.
- Ainda assim foi terrível. Não precisava ter feito nada daquilo porque já sabia da minha posição.
- Sei. Mas vou esperar, você vai ver. Vou esperar e vou conseguir porque ela não merece – Ângela ergueu o indicador para Silvia. – E você não precisa me acompanhar, conheço o caminho. Tchau – Ângela saiu às pressas.
Silvia finalmente se moveu. - Se não precisa mais de mim vou voltar ao trabalho agora.
- Obrigado, Silvia.
Arthur voltou para sua mesa e por um bom tempo esteve parado. Pensou em Joana e teve medo do que ela pensara por ele não ter voltado a ligar. Queria muito vê-la e dissipar qualquer dúvida ou temor que a incomodasse. Poderia deixar tudo ali e ir a Nostalgia dizer-lhe o que decidira logo cedo. Não, não podia. Tinha muito que fazer na empresa. Os tecidos de inverno haviam chegado e além do atraso, alguns precisavam ser trocados porque foram entregues na cor errada, outros estavam com defeito que com certeza foram causados pelo mau armazenamento no lugar de onde vieram e alguns de seus clientes mais importantes ligaram reclamando que não receberam o que compraram e pediam que ele enviasse alguém para buscar as peças. Corria o sério risco de eles cancelarem as compras e não se interessarem mais por uma troca, o que faria com que os perdesse para os concorrentes e Arthur não podia permitir que o nome da empresa fosse sujo por causa de seu abandono ao correr atrás de uma mulher, mesmo sendo ela o seu grande amor. Também para aquele inverno, seus pais haviam decidido trabalhar com confecção, o que incluíra em sua rotina a contratação de estilistas e costureiras bem como a mudança das vitrines para montarem um novo cenário com manequins masculinos e femininos, principalmente. Rosana lhe passara alguns nomes que Silvia contatara e ele fizera as entrevistas e ainda supervisionava as obras em Nostalgia mesmo tendo designado alguém para cuidar do andamento da obra. Estava mergulhado em trabalho e era responsável demais para deixar tudo por uma situação que poderia resolver numa outra hora. Entretanto, a saudade apertava e não estava mais disposto a ficar longe de Joana, não quando ela dera sinais de que poderiam conversar e se reconciliarem. “O serviço que espere”, pensou. Rapidamente guardou seus pertences e mesmo sabendo que não teria como trabalhar na estrada colocou em sua pasta muitos documentos que considerava importantes e deixou a sala.
Silvia e os outros funcionários ficaram surpresos quando Arthur avisou que sairia sem hora para voltar. Não era comum vê-lo chegar atrasado, faltar e em hipótese alguma deixar o trabalho para o dia seguinte. O que acontecia naquele dia era realmente atípico e não combinava com seu patrão. Já da porta de saída chamou Silvia com um aceno de mão discreto. - Preciso que dê um recado para o meu pai, mas somente se ele perguntar por mim. Ok?
- Ok.
- Diga-lhe que fui à Nostalgia me acertar com Joana – Arthur falou baixinho.
Silvia sorriu feliz e balançou afirmativamente a cabeça. Era uma das jovens amigas de Rosana e Samanta e por isso conhecedora do real motivo que o separara da namorada. - Certo, pode ficar tranquilo, se ele procurar por você darei o recado, e se houver mais alguma coisa que eu possa responder por você, eu farei com prazer. Vá com Deus e boa sorte.
- Obrigado, Silvia.
Arthur cruzou em segundos o estacionamento da empresa. Antes de entrar em seu carro tirou o paletó e o jogou no banco traseiro. Assim que se sentou e colocou o cinto, partiu cantarolando feliz e um pouco apressado, sem perceber que, a uma distância segura, um outro carro o seguia.


- Não acredito, não acredito.
- Eu também me recuso a acreditar.
Irmã Olívia e Andréia estavam inconformadas ao ouvirem Joana dizer que Arthur mantinha algum tipo de relacionamento com Ângela. Desde que desligara o telefone, furiosa, interrompendo a conversa com Arthur, ela estava totalmente impossível de ser convencida do contrário.
- Ele fez questão de falar o nome dela ao telefone. “Ângela, o que faz aqui”? – Joana reproduziu a frase que a enfurecera.
- Então, querida, se foi assim como está dizendo, isso mais me parece que ele também foi surpreendido pela moça – irmã Olívia se esforçava para ajudar a neta. – Você precisa ouvir o que ele tem a dizer.
- Como ouvir, vovó, se ele não voltou a ligar depois que ela apareceu? Se é que já não estavam juntos se divertindo às minhas custas.
- Joana, raciocine um pouco. Arthur a ama – Andréia sentou-se ao lado dela no sofá.
- Como pode ter tanta certeza?
- Porque ele me disse. Arthur tem gastado muito com telefone desde que você sumiu da vida dele. Quase todos os dias ele liga para perguntar como você está e deixa recado para você.
- E por que nunca me entregou nenhum desses recados?
- Porque você me proíbe de tocar no nome dele, de falar qualquer coisa que a lembre dele sob pena de terminar com a nossa amizade, e eu, burra, obedeço.
- A mesma coisa você faz comigo. Eu é que sou teimosa e duvido que vá ficar sem falar com uma velha, então falo um pouquinho sobre o pobre rapaz – irmã Olívia parou um momento para tossir. – Você só está perdendo tempo de amar e ser amada, Joana.
- Então por que ele não voltou a ligar? – os olhos tristes de Joana comoveram sua avó e sua amiga.
- Isso só Deus sabe, Jô. Um bom tempo se passou desde que desligou o telefone até eu chegar aqui e você não tomou nenhuma atitude – Andréia queria ser sincera com ela. – Acho que você está agindo mal. Ele veio para conversar tantas vezes, ligou outras tantas, deixou inúmeros recados, parou por uns dias, voltou a ligar de surpresa e você atendeu, quando estão conversando, a ruiva má chega e você decide interromper a conversa, faz tudo, diz tudo, menos ligar de volta para saber o que houve. Ainda que isso significasse ouvir que ele tem alguma coisa com Ângela, o que eu duvido muito, seria bem melhor ter ligado e pôr um fim ou um recomeço nessa história. Acredito que seria mais interessante do que ficar sofrendo todo esse tempo.    
- Concordo com você, Andréia – irmã Olívia teve outra fúria de tosse. – E você, Joana, precisa ser mais flexível principalmente com seu namorado. Não poderá ter a última palavra sempre e no caso de virem a se casar um dia, terá de aprender a ouvir mais do que falar.
Joana apenas ouvia suas melhores amigas.
- Ele a ama, Jô. Pode acreditar – Andréia a abraçou. – Quem dera esse fosse o meu caso, eu teria resolvido na mesma hora. Jorge sim aprontou de verdade. Que raiva.
- Andréia, me perdoe. Tenho sido tão egoísta! Só falamos de mim e nem procuro saber como você está... Acha que já pode perdoá-lo? – Joana colocou os pés em cima do sofá e abraçou uma almofada.
- Perdoar? Diga que você está brincando, Joana. Ele me traiu. Jorge realmente me traiu. Como posso perdoá-lo?
- Achei que tivesse mudado de ideia, só isso. Mas você também precisa ouvir o que ele tem a dizer. E se ele se arrependeu?
- Claro que Jorge se arrependeu. E se arrependeu muito, mas de ter me pedido em casamento e ter gasto dinheiro com o anel. Gente é imperdoável o que ele fez.
- Você ainda o ama? – irmã Olívia perguntou.
- Desesperadamente – Andréia confessou sentindo os olhos inundando-se em lágrimas. – No início achei que o esqueceria rápido porque estava com muita raiva – ela limpou os olhos. – Mas quando lembro da cena odiosa que fui obrigada a presenciar, quando lembro que ele não se importou conosco, com a nossa história, a raiva volta e não posso perdoá-lo. Estou sofrendo, mas sei que mesmo que demore muito eu esquecerei tudo isso.
- Precisa permitir que Deus a ajude nessa história, Andréia. Perdoar ou esquecer, Ele quer fazer parte de tudo em sua vida agora. E em minha opinião, você e Jorge precisam conversar, precisam expressar o que sentem, extravasar, porque desde aquele dia não se falaram mais... Vamos combinar uma coisa? – Joana trocou o tom sério com que falava por um sorriso jovial. – Eu ligo para Arthur e você para Jorge. Vamos resolver nossas vidas, o que acha?
- Não sei. Ainda é cedo demais para mim. A ferida está totalmente aberta. Só posso garantir que vou orar pedindo a Deus que me ajude porque realmente não quero ficar sofrendo assim.
- Isso já é um ótimo começo. E ele irá ajudá-la, tenho certeza. O que acham de tomarmos um café quentinho agora para aquecer, se não o coração, ao menos a garganta? – irmã Olívia esforçou-se para se levantar do sofá.
- Boa idéia – as duas jovens responderam levantando-se também.
Nesse momento, a campainha do casarão tocou deixando as três mulheres em suspense. Joana seguiu até a imensa janela de onde era possível ver toda a entrada do quintal, desde o portão até o jardim de rosas e a calçada contornada por pequenos pés de flores e pedras cuidadosamente pintadas de branco e dispostas, uma a uma, entre cada par das plantas devidamente podadas, e tudo isso ficava ainda mais belo quando as luminárias eram acesas, dando àquele espaço um ar de sonho romântico.
- É ele – Joana exclamou sem se voltar e irmã Olívia e Andréia entenderam que ela falava de Arthur.
- Vá falar com ele – irmã Olívia praticamente ordenou.
Joana não respondeu. Estava sem reação alguma contemplando seu grande amor parado em frente ao portão. Ele usava calça social cinza e camisa branca e a gravata em preto e grafite estava frouxa dando um charme ao visual. Achou-o lindo.
- Jô, vá logo. Acabou de me prometer que ligaria para ele. Agora quero ver – Andréia cobrou feliz.
- Está certo. Como estou? – Joana perguntou para as duas. – Devo estar horrível.
- Está linda, Jô. Só precisa abrir o coração e tudo estará perfeito. Agora vá. Estamos torcendo por você – Andréia a tomou pela mão e abriu a porta. – Conhece o caminho.
- Obrigada – Joana agradeceu baixinho. Desceu as escadas e parou alguns passos depois.
Os corações de ambos estavam fora do compasso naquele momento, as mãos estavam frias e as gargantas secas. Arthur sorriu para Joana que recomeçou a caminhada até o portão. Ao chegar, ela reparou que havia lágrimas nos olhos dele apesar de ainda sorrir. Joana abriu a estrutura de ferro das grades que os separava desejando conseguir eliminar também tudo que os afastara havia dias. Por um breve momento estiveram parados, contemplando-se, e foi Arthur quem falou primeiro.
- Joana, me perdoe. Preciso que me perdoe.
Ela não respondeu de imediato. Deu um passo até que pode alcançá-lo e o abraçou com força. - Não tenho nada para perdoar. Na verdade eu é que preciso do seu perdão. Tenho sido tão egoísta!
- Jamais, Jô. Você jamais foi egoísta. Eu é que me omiti numa situação absolutamente desconfortável para você. Mas eu vim para dizer que a amo e que a saudade estava me matando.
Joana se afastou ligeiramente dele para poder olhar em seus olhos. - Eu também amo você, Arthur. Só Deus sabe o quanto e a saudade que tenho sentido.
Mais uma vez abandonaram-se um ao outro num abraço que tinha o poder de acalentá-los e fortalecer o amor que os unia. Não havia muito que ser dito por que a felicidade que viviam ali mesmo, em frente ao portão, seria impossível  expressar em palavras, somente gestos como aquele abraço seriam suficientes para realmente traduzir a importância do momento e a imensidão do sentimento que os arrebatara, e as promessas contidas naquele silêncio, eram muito mais do que poderiam verbalizar por mais apaixonados que estivessem. Joana estava na ponta dos pés para poder alcançar o pescoço de Arthur que a ergueu e sem dificuldade, sorrindo felizes.
Da janela do casarão, irmã Olívia e Andréia assistiam emocionadas a cena protagonizada pelo casal que se reconciliava na calçada, e quem olhasse com atenção, veria, que do outro lado da rua, além dos curiosos que diminuíram os passos para acompanhar o que acontecia com o casal, estava estacionado o mesmo carro que seguira Arthur desde Alvorada.
- Vamos para outro lugar onde possamos conversar melhor? – Arthur convidou.
Joana concordou e entrou no carro acenando para as duas espectadoras na janela.
Já na praça, sentaram-se no mesmo banco de sempre, e apesar do frio do início da noite, havia bastante movimento.
- Nem acredito que está aqui comigo – Arthur falou. – Houve momentos em que achei que isso não seria possível nunca mais.
- Fico envergonhada por ter sido tão infantil – Joana corou.
- Não tem por quê. Você estava com toda a razão, eu fui mesmo muito omisso, como já disse.
- Mas eu fui intolerante. Só alguns dias depois foi que percebi que estava agindo exatamente como... como ela queria – Joana olhou em volta da praça e perguntou: - E ela apareceu durante esse tempo?
- Tentou. Algumas vezes – Arthur tocou o queixo de Joana para que se voltasse para ele e falou: - Eu não a recebi e também não atendi aos telefonemas.
Joana o olhava como se examinasse seus olhos negros.
- Depois ela sumiu – Arthur continuou: - Tanta coisa aconteceu. Eu não queria sair de casa para nada além do trabalho e da igreja... E por falar em igreja, tenho novidades.
Joana percebeu o brilho nos olhos de Arthur e também se animou em saber.
- Que novidade?  - perguntou.
- Fui consagrado ao diaconato no último domingo – ele revelou.
- Verdade? – Joana sorria. - Parabéns, Arthur! Que bom! Estou muito feliz por você. É um grande passo na sua vida espiritual.
- É sim. Claro que ainda serei um diácono auxiliar até que me case.
Joana assentiu.
- Ou melhor, até que nos casemos.
Por um momento um nervosismo tomou conta dos nervos de Joana enfraquecendo-os. Imaginou que Arthur a pediria em casamento.
- Ela apareceu hoje – Arthur mudou de assunto.
- Quem apareceu hoje? - Joana perguntou ainda pensando que ele faria o pedido.
- Ângela. Lá na empresa.
- Eu sei – Joana novamente desviou o olhar. – Estávamos ao telefone quando ela chegou. Desliguei imediatamente.
- É bastante complicado lidar com ela, Jô – Arthur esticou as longas pernas como se estivesse cansado. Voltou a falar. – Os pais de Ângela não são cristãos, ainda assim, sempre compareciam aos cultos em nossa igreja. Ela se converteu numa visita que fez a um culto dos jovens e depois disso a família dela se desestruturou. O pai traiu a mãe que resolveu pagar na mesma moeda. Houve brigas, agressões físicas, prisões... Ângela tem precisado de muito apoio para permanecer com Cristo. Isso tudo já tem mais de um ano que aconteceu, mas os pais dela vivem em constante guerra. Muitos irmãos têm tentado ajudá-la a superar os problemas, a servir a Deus, mas algumas pessoas passam por um processo lento de crescimento espiritual e esse é o caso de Ângela.
- É uma pena que ela viva essa realidade familiar – Joana cruzou os braços sentindo frio. – Mas penso que isso não justifica o que ela faz conosco, principalmente porque tendo uma família difícil, ela devia querer que as outras vivessem bem.
- Concordo com você – Arthur a abraçou percebendo que o frio se intensificava. – Sei que é complicado conviver com alguém como ela, mas o pastor Arnaldo tem ensinado que devemos amar sobre todas as coisas. E não somente ele. O apóstolo Paulo também ensinou que não devemos julgar aos mais fracos e sim amá-los, e amá-los não significa que iremos concordar com o que fazem de errado, significa que devemos suportá-los em amor, ajudando-os em oração, porque quem completa a obra é o Espírito Santo. 
Joana balançou a cabeça concordando. - Essas palavras são lindas e ao mesmo tempo dão medo pelo tamanho da responsabilidade que fazem a gente sentir. Sabe, Arthur, eu não a julguei nem a odiei, mas fiquei muito chateada. Não conseguia ouvir ninguém falar o nome dela que uma tristeza se instalava dentro de mim chegando a me fazer mal.
- Entendo, Jô. Foi sabendo que temos uma tendência a não tolerar certas coisas que Jesus nos ensinou sobre o perdão antecipado. Lembra?
- Sim, lembro. Ele perdoou a Judas, o traidor. Você pode repetir o ensinamento? É tão lindo!
- Claro que posso. É bastante simples. Nós, humanos, complicamos as coisas, mas Jesus, mesmo sabendo que Judas o trairia, ao lavar os pés dos discípulos na última ceia, não deixou de lavar os pés do discípulo que o venderia e depois o beijaria para identificá-lo aos soldados. Jesus perdoou a Judas antecipadamente. Deu a ele o mesmo tratamento que deu aos que o seguiam por amor. Judas, ainda assim, escolheu entregá-lo e o fim dele foi terrível. E lá, enquanto lavava cada pé que não merecia aquele gesto do Rei dos reis, Jesus estava também nos perdoando por antecipação. Ele nos amou e perdoou sem que jamais merecêssemos. O amor é tudo e o perdão só nos torna nobres, parecidos com Jesus. Por tudo isso, todos resolvemos tolerar Ângela e quem mais aparecer precisando do nosso amor.
- Que bom que tenho você para me ensinar a viver de modo a agradar a Deus – Joana acariciou o rosto frio de Arthur. – Eu quero perdoá-la porque isso fará bem para mim.
- Isso mesmo, Joana – Arthur a beijou na testa. – E para mim é uma alegria ver você crescendo espiritualmente.
- Preciso testemunhar uma grande bênção que recebi – Joana deu um pequeno salto. - Como pude me esquecer de falar isso antes? Então, vovó e Andréia se entregaram a Cristo outro dia em um culto lá em casa.
- Que notícia boa, Joana! Louvado seja Deus por isso.
- Amém. A pastora Flávia pregou e elas foram tocadas pelo Espírito. Foi lindo! – Joana se emocionou ao relembrar o momento da conversão delas.
- Fico muito feliz por vocês todas. Jesus é a melhor opção sempre. E como estão as duas?
- Estão bem, acredito. Andréia tenta superar a traição de Jorge que foi terrível e vovó está se recuperando de uma gripe forte que teve há poucos dias. Ainda está tossindo bastante, mas ela é forte.
- Com licença? - a voz que interrompeu a conversa veio de detrás de Arthur.
- Pois não – ele respondeu.
Quando se voltaram exclamaram juntos: - Ângela?
- Precisi fala com você e somente com você, Arthur.
- Não tenho segredos para Joana. E afinal, o que faz aqui, Ângela? Achei que tivéssemos nos entendido essa tarde quando...
- Quando você pediu que eu desse um fim nisso? – Ângela retirou da bolsa o porta-retrato que Joana dera a Arthur no seu aniversário.
Joana abriu a boca espantada.
- Como conseguiu isso, Ângela? Quando o pegou?
- Arthur, eu não o peguei – Ângela segurava o objeto com a frente voltada para si. – Você me encarregou de jogá-lo fora.
- Isso é roubo, Ângela. Você o roubou do meu escritório!
- Não me chame de ladra – Ângela levantou-se bruscamente. – À tarde estava feliz comigo, até me pediu desculpas por não poder me corresponder como queria por causa dessa aí – ela olhou para Joana. - Agora não precisa me tratar com tanta frieza. Segui você até aqui e não foi para isso.
- Ângela, entenda de uma vez por todas que não há como ficarmos juntos. 
- Por que, então, você ainda me dá esperança? Quando pediu para eu dar fim àquela foto sem graça, olhe o que eu fiz – Ângela virou o porta-retrato agora com a frente para eles. A foto original fora cortada sendo mantida apenas a parte de Arthur, e ao lado, Ângela colocou uma foto sua, o que chocou o casal. – Fiz melhor do que você me pediu.
- Ângela, não sei como dizer isso – Joana começou a falar tranquila. – Mas você precisa urgentemente de ajuda, de oração.
- Joana, não quero conversa com você. E se quer orar, está no lugar errado, e pior que isso, é se fazer de santa, coisa que com certeza você não é.
- Ângela, entenda – Joana insistiu. – O seu comportamento com relação a nós dois não é normal, você está se deixando usar pelo inimigo.
- Está dizendo que estou possuída? Possuída está você.
- Ângela, veja bem, você tem se dedicado ao máximo em nos separar – Arthur procurava manter a calma embora estivesse se convencendo de que isso era o que movia Ângela a continuar com suas armações. – Veja o trabalho todo que teve para montar aquele quadro que me deu no dia do meu aniversário.
- Do qual você gostou muito – ela retrucou.
- Não. Não gostei. Na verdade ele não está mais comigo e nem lá em casa – Arthur esperou que a reação dela fosse ruim, mas Ângela permaneceu calada, encarando-os. Ele continuou: - Todo esse trabalho, essa perseguição, enfim, tudo o que você tem feito pode acabar prejudicando você de um modo ou de outro.
- Você me enganou – Ângela abaixou o tom. – Ficou comigo e me abandonou. Como queria que eu reagisse?
- Eu não enganei você. Foi tudo um erro. Agora... pode me devolver o porta-retrato? Ele foi presente de Joana, como você bem sabe.
Ângela parecia estudá-los olhando de um para o outro lentamente. Abriu a bolsa e vasculhou.
- Eu devolvo. Só preciso encontrar a foto de Joana que cortei – ela falou dando esperança de estar convencida. – Encontrei. Faço questão de colocá-la no lugar onde estava.
Arthur e Joana se entreolharam torcendo para que ela desistisse daquela loucura toda.
- Aqui está sua foto – Ângela exibiu o presente de Arthur e aguardou pela reação dos dois.
A metade da foto em que Joana estava fora rabiscada com tinta vermelha formando uma grande cruz que deixou seu rosto quase irreconhecível e também fora amassada, sendo bem provável que Ângela a tivesse recolhido do lixo antes de ter ido provocá-los.
- Por que fez isso, Ângela? Sabe que foi um presente – Arthur estava mais assustado que transtornado. – Por favor, me devolva. Isso me pertence.
- Quer isso de volta? Pois vá buscá-lo – Ângela arremessou o quadro alguns metros à frente quebrando o vidro protetor ao cair no chão.
- Olhe bem para Joana – ele colocou um braço sobre os ombros da namorada. – Agora ficou claro para você? Lembra de que me perguntou por que ela? Aí está a resposta. Joana jamais se comportaria como você em circunstância alguma. E mais que isso, estou com Joana porque a amo e ela me ama, nos divertimos juntos, somos felizes. Mas não se preocupe, oraremos para que Deus tenha misericórdia da sua vida, porque você não nos afeta em nada, na verdade, você prejudica a si mesma – Arthur e Joana se afastaram de Ângela e ele recolheu o quadro do chão.
Algumas pessoas, em vários pontos da praça, literalmente pararam o que estavam fazendo e assistiam ao diálogo e outras observavam de dentro dos estabelecimentos como a pastelaria e a pequena farmácia. Um dos motivos para tanta curiosidade, era o fato de nunca acontecer nada em Nostalgia, e outro, certamente, era a presença de Joana, para muitos, a linda neta de dona Olívia, conhecida praticamente por toda a população da cidade que não ultrapassava os trinta mil habitantes.
Andréia chegou correndo e uma sombra de preocupação pairava em seu olhar. Passou por Ângela que ainda estava estática.
- Tudo bem, Jô? – perguntou para a amiga.
Joana respondeu que sim.
- O que ela faz aqui? – Andréia mediu Ângela com os olhos.
- Nada – Joana olhou para Ângela. - Ela veio apenas para entender algo muito importante. Foi meio difícil, mas entendeu. Afinal, Ângela é inteligente o bastante para saber que tudo o que fizer para nos prejudicar irá fortalecerá ainda mais o que Arthur e eu sentimos um pelo outro. Missão cumprida, ela já está de volta para casa.
Ângela por fim moveu-se, com um brilho desafiador no olhar.
- Certo. Também acho muito inteligente da sua parte se der meia volta agora e nos deixar em paz, Ângela – Andréia devolveu o olhar que recebeu da ruiva, demonstrando que compraria qualquer briga pela amiga.
- Tenho certeza de que Ângela já entendeu – Arthur resolveu intervir temendo que as garotas se empolgassem.
Ângela esticou a coluna endireitando-se sobre os saltos, segurou as alças da bolsa como se guardasse um tesouro e girou rapidamente na direção contrária ao trio, que a observou partir, sem ter certeza de que ela os deixaria realmente em paz.
- Que bom ver vocês juntos novamente, estou feliz por isso – Andréia sorria.
- Obrigada, querida – Joana agradeceu.
- Tenho orado por você e por Jorge também e sei que Deus irá agir em seu favor de acordo com a vontade dele – Arthur deu as mãos para Joana.
- Obrigada – Andréia assentiu e a sombra de preocupação voltou a se instalar em seus olhos quando falou: – Infelizmente não trago boas notícias.
- O que aconteceu? – Joana também se preocupou pensando na avó.
- Dona Olívia passou mal, Jô.
- Meu Deus! – Joana segurou forte em Arthur.
- Mas ela ficará bem – Andréia pegou a mão da amiga. - Chamei o caseiro e a levamos ao hospital. O médico disse que ela precisa ficar internada. Sinto muito. 


Ângela estava sentada em seu carro com os vidros meio levantados, pensando em tudo o que acontecera entre ela, Arthur e Joana ali na praça. Tinha vontade de chorar, no entanto, as lágrimas pareciam ter desaparecido por completo, mas um nó na garganta a deixava com a voz embargada. A tristeza que lutava em permanecer depois da conversa desgastante que tivera, só não era pior que a dor de ser praticamente expulsa da cidade e ver que Arthur, a quem dedicara tanto tempo de sua vida, nem sequer lhe dera um tchau. Agora perdera as esperanças de conquistar o homem que mudara sua vida radicalmente. Sim, mesmo que não soubesse, Arthur a fizera mudar de vida. Convertera-se depois de vê-lo algumas vezes na igreja e sua meta era se tornar namorada dele em pouco tempo. Não se sentia uma crente como os irmãos e o pastor pregavam, acreditava que depois de conquistá-lo se tornaria, dia após dia, uma serva de Deus, por enquanto era Arthur quem a levava a estar entre aquele povo com o qual pouco se identificava. Trabalhava mais para comprar roupas e calçados bonitos, maquiagem, tudo para chamar a atenção do jovem obreiro do que para ajudar a família ou planejar seu próprio futuro. Um filme passava em sua mente desde que conhecera Arthur até aquele momento terrível. Como fora dedicada em conquistá-lo! Como o amara e sonhara estar em seus braços! O que dera errado? Não encontrava a resposta. Era linda, sabia disso. Então por que Arthur não a quisera depois daquele único beijo que acontecera após de tanto planejamento dela? Por que ele não a amava como a Joana? O que faria agora que ele dissera diante das duas qual era a sua preferência? Com certeza se vingaria de tamanha humilhação. E ainda tinha Andréia, a amiga protetora, que também precisava ser colocada em seu devido lugar. “Mas o que fazer para vingar-me sem que Arthur perceba e eu o perca para sempre”? - perguntava a si mesma em voz alta. Compenetrada, não percebeu quando alguém se aproximou da janela do carro.
- Oi! – o rapaz cumprimentou.
Assustada, Ângela não respondeu.
- Ângela, não é? – ele perguntou, demonstrando conhecê-la.
- E você, quem é? – Ângela procurava as chaves sem chamar a atenção dele.
- Alguém que pode ajudar.
- Me ajudar – Ângela repetiu. – Em quê? Posso saber?
- Se saísse do carro poderíamos conversar melhor.
- E você poderia me assaltar com mais facilidade.
- Acha mesmo que quero assaltá-la? – o rapaz abriu os braços. – Assim, completamente desarmado e num lugar como esse onde todo mundo já está de olho em nós?
Ângela se surpreendeu ao ver a rapidez com que as pessoas se interessavam pela vida e coisas alheias ali, parecia mesmo que nunca acontecia nada naquela cidade.
- Quero ajudá-la com Arthur – o rapaz deu um passo para trás na calçada.
Ângela abriu rapidamente a porta do carro e saltou perguntando: - O que sabe sobre Arthur?
- Sobre ele, quase nada. Mas sobre você sei que é apaixonada por ele. Ouvi os comentários sobre a conversa dos três na praça e resolvi oferecer ajuda.
- Digamos que eu aceite sua ajuda. O que exatamente ela inclui? – Ângela se interessou, ainda que cautelosa.
- Podemos tirá-lo de Joana e em questão de pouco tempo você o conquista.
- E o que vai querer em troca? – Ângela demonstrou saber jogar também.
O rapaz sorriu antes de responder. - Gostei de você. Vai direto ao assunto. Isso é bom. Quanto a sua pergunta, a verdade é que sou apaixonado por alguém e quero que me ajude a reconquistá-la. Simples. Trocamos favores e todos saímos ganhando.
Ângela o estudou por alguns segundos. Era um rapaz bonito. Alto e forte. Os cabelos loiros estavam cortados no estilo militar e os olhos azuis pareciam sinceros e apaixonados de verdade.
- E quem é ela? A moça que merece tanto empenho? – Ângela quis saber.
- Falarei tudo quando me disser sim.
- Certo. De início eu aceito a proposta, mas deixo claro que ainda precisamos conversar muito sobre tudo.
Cumprimentaram-se com um aperto de mão que mais parecia que estavam fechando um grande negócio.
- Ângela? – ele chamou.
- Sim.
- Prazer em conhecê-la – beijou-lhe os dedos finos. – Prazer em ser seu sócio.
- Se tudo der certo, o prazer será todo meu, senhor...
- Jorge. Meu nome é Jorge.